Foi um erro. Ou vários. Qual deles foi determinante para o que aconteceu? Faço uma viagem na minha mente para recriar cada passo daquele dia, e tentar perceber onde é que o destino teimou em não ser meu amigo. O primeiro erro foi a minha pouca vontade de cozinhar. “Se queres que eu lá vá, tens que ficar a acabar de fazer o jantar” disse a mulher. Perdi o apetite só de pensar em mexer nos tachos, e em ter que os lavar de seguida porque “tem que haver organização na cozinha, não é só sujar!” pelo que calcei-me e peguei na carteira. “Eu vou”. Ia com tempo, mas cruzei-me com a vizinha do terceiro, com o decote habitual a exibir as mamas provocadoras. Outro erro, a fraqueza: fiquei ali no hall do prédio, a conversar nem sei sobre o quê, até podia ser sobre o apocalipse zombie, porque a minha atenção estava focada naquele par de distracções. Quando me pus a caminho - com muita pena minha, devo dizer - já tive que apertar o passo. Cortei caminho por uma rua pouco habitual, para ganhar tempo. Mas o raio da rua estava em obras! Voltei para trás, a olhar para o relógio de pulso que a minha mulher me tinha oferecido um mês antes pelo meu aniversário. Uma oferta com uma mensagem subliminar sobre a minha (pouca) pontualidade. “Nem assim fazes as coisas a horas” já a conseguia ouvir dizer,no caso de eu me atrasar. Mas não lhe ia dar razão, concluí eu satisfeito, ao entrar na papelaria. Fui com a mão ao bolso para fazer a aposta e não senti a carteira. Pensei nos cartões do banco e nos 50€ que tinha dentro. Aflito, voltei atrás num método “Sherlock Holmiano” e encontrei-a, caída no princípio da tal rua em obras, e milagrosamente intacta. Nem suja estava. Caramba, era o meu dia de sorte! Consultei a prenda envenenada da minha mulher e constatei que já faltavam agora 5 minutos para as 7… se desse uma corrida, talvez chegasse a tempo…mas já estava cansado de tantas voltas, e não queria pôr-me a jeito para ter mais algum azar. A sorte não está sempre à espreita, não é o que dizem? Decidi então ir para casa, quase num gesto de rebeldia, onde me aguardava uma esposa satisfeita e um jantar quase feito. Qual destes erros foi o decisivo…? Nunca saberei. Apenas sei que era dia de jackpot, e a chave que eu uso há anos teria feito de mim um milionário.
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