Por um dia quero não sentir. Não sentir a dor do estômago, dos braços cansados, das costas mal tratadas, do coração em fase final.
Por um dia, não sentir, seria uma benção ao meu cérebro exausto de lutar contra o batimento cardiaco acelarado. Por sentir, penso de mais. Por isso, não sentindo, sentir-me-ia bem.
Se for ao médico e disser que me dói o coração ele há-de mandar fazer exames, consultas e mais uma panóplia de opções para diagnóstico. Os exames não mostrarão nada de errado e as consultas não servirão para ninguém. A dor não se vê a olho científico.
O meu coração sofre, a minha cabeça luta contra ele. E o meu corpo anda nesta desarmonia há tempo demais, já ele ordena e ela produz. A minha cabeça faz o que o meu coração sente, enquanto inventa maneiras de fazê-lo suportar o sentimento. É uma existência solitária e transeversal a todos os meus outros órgãos. Os nervos da dor que tenho ao peito fazem-me mágoa no estômago, o cansaço instala-se mais depressa. O mau dormir dá cabo das costas e a tensão, de estar tanto tempo contraída para não sentir, arrasta-se pelo corpo e arrasta-me o passo. A verdadeira heroína, mestra do disfarce sintomático, é ela que, ainda assim, me faz acreditar que amanhã será um dia melhor.
Mas não é por acaso. Levei muitos anos a formá-la, a ensiná-la a ir contra mim. A saber quando é hora de desistir e que é sempre hora de agir, não reagir. Acções são valências póstumas à ideia. São o final de uma decisão e, ao mesmo tempo, o inicio de algo pertinente, nem que seja levantar e ir trabalhar.
A minha cabeça está preparada para todas, quase todas, as minhas possíveis maleitas. O meu coração não. Talvez, ficando, não será tão puro, tão ingénuo, tão simples. Talvez consiga fazê-lo padecer de coisas que qualquer médico pode ver. Mas, então, talvez, a minha cabeça não tenha sentido de exitência: não tem o que salvar. Se assim fosse, o meu coração bateria a um ritmo certo e ponderado e a minha cabeça seria um vazio de prpósitos.
Mas, por um dia, queria não sentir. Deixar o meu coração parar e conseguir perceber a minha cabeça reagir ao não-sofrimento. Talvez ela se fizesse patroa em vez de servente de um coração gasto e depressivo.
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