~~Na altura dos meus 4 anos de idade havia muita pobreza. Parece que havia locais onde davam sopa aos pobres e estes tinham de levar uma colher para ir comer a sopa.
Um certo dia entregaram no Posto da GNR dois irmãos, de idades aproximadas à da minha irmã que tem mais um ano do que eu, os quais a mãe tinha mandado ir comer a sopa e se perderam. Eles viviam no campo e vinham a Moura para comer a sopa. Traziam a colherinha na mão quando os encontraram e estavam cheios de fome e todos sujos.
Quando chegaram, assustados e chorosos, o meu pai levou-os lá ao 1º andar para a minha mãe lhes dar de comer. Esta deu-lhes de comer, deu-lhes banho, cortou-lhes o cabelo, penteou-os e vestiu-lhes uns calções e blusas lavados. A roupa penso que a minha mãe pediu à amiga mulher do capitão e eram do filho dela. Depois foram brincar connosco.
Não sei quanto tempo demorou para que a mãe os viesse buscar mas sei que quando os meninos correram para a mãe e a abraçaram, ela não os reconheceu.
Vi a minha mãe de lágrimas nos olhos abraçada a essa senhora que a tinha agarrado e que depois lhe beijava as mãos. Marcou-me muito este momento mas na altura não percebi porque tinham elas reagido assim.
Já agora aproveito para dizer que nessa época até à minha adolescência, vi muita gente pedindo nas ruas e bater às portas a pedir comida.
Vi pessoas andarem descalças nas ruas e recordo-me que era proíbido e dava direito a multa.
Como era possível haver lei que multasse quem andava descalço e nem dinheiro tinha para comer? Mas havia!
Muitas vezes, vi a minha mãe dar roupas nossas e dela, dar pão, azeite e outras mercearias para essas pessoas. Chegava mesmo a mandá-los entrar, sentar à mesa e dar lhes um prato de comida.
Estávamos no tempo do Dr. Oliveira Salazar e eu a quem nada faltava não percebia o porquê de tanta pobreza, de tanto medo nos olhos das pessoas quando viam uma farda!
Não gosto de recordar estas coisas, parte-se-me o coração.
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