Sento-me perto da janela, olho para a chuva que caí e faço uma retrospectiva da minha vida, começando pela infância. Essa pela qual eu quero correr. Fecho os olhos e vejo uma roda com muitas meninas de mão dada a brincar, com a inocência nos olhos, as correrias, a idas á farmácia depois de uma queda em que os joelhos sangravam e nem uma lágrima caía.
Pensava que a vida seria uma eterna infância, e que nunca perderia o meu mundo de sonhos.
Sonhava que voava de mãos dadas com o Peter Pan. Acreditava que o pai Natal existia, e fingia dormir para o ouvir chegar. Ainda sinto o cheiro da comida da minha mãe, e de gostar de a imitar com o meu trem de cozinha miniatura.
Filha única, de uns pais que sempre fizeram o melhor que sabiam para me dar carinho e conforto. Amor? o deles não será igual ao meu. Naquela época dar amor seria ter tudo o que necessitávamos para o bem-estar, passando por ter casa, comida na mesa e roupa nova para estrear ao domingo e em dias festivos.
Chegavam as férias de Verão, e lá estava eu juntamente com duas primas, filhas de um irmão de meu pai, a planear o que poderíamos fazer. Um mês de praia, e um mês e meio no campo. Sempre acompanhadas pelas nossas mães. Na praia tínhamos o nosso toldo - alugado ao mês - em que o facto de cumprir um ritual diário era motivo de alegria. Era a espera pelo comboio, e a estação em que esperava ver a minha prima espreitar pela janela, para poder entrar juntamente com a minha mãe. Assim que o relógio marcava o meio-dia, lá estavam as nossas mães a chamar para ir embora, pois o sol depois dessa hora fazia mal. Eram dias de risos, em que as bonecas também tinham direito a roupa nova. Era o domingo passado em casa delas a escrever canções num caderninho, para podermos cantar na viagem. Nessa época a viagem até ao local onde os nossos pais tinham nascido e a que chamávamos - ir á terra - era de 300 kms, distância essa percorrida com alegria, levando quase um dia inteiro, habitualmente com uma paragem em Coimbra, onde as mães iam ao mercado. Ficávamos a olhar para as vendedeiras e sussurrávamos-lhes ao ouvido - as senhoras têm Bigode?- Uma amálgama de recordações da minha infância em que só conhecia a palavra - Felicidade!
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