Os ruídos das máquinas que alcatroam incansavelmente as estradas penetram-me nos ouvidos fazendo-me acordar repentinamente numa outra realidade.
Uma realidade que se sobrepõe a esta talvez…
A realidade sabe-me a um conjunto de uma união de muitas outras, todas elas sobrepostas, ligadas ao centro da existência.
Sinto tantas vezes de uma maneira tão forte que não sou daqui, que não faço parte disto, que não sou este corpo, que vou morrer e que tudo vai ficar escuro de repente… Mas para que fique tudo escuro é preciso haver um crepúsculo e eu ainda sou apenas o amanhecer…
Sinto que estou cá de passagem. Arrrgh! Arrepia-me a espinha só de pensar.
Eu que defendo tanto a desprogramação das coisas mas no entanto deixo-me viver programada pela minha própria mente.
Às vezes o eco dos meus pensamentos soa-me a hipocrisia.
Como posso defender coisas ou criticar outras sendo eu feita delas?
Há vezes que me sobe pelo peito uma vontade tão grande de te abraçar que tenho de te virar as costas e esconder-me para não correr o risco de explodir em frente desses teus olhos.
As almas abraçam-se sem precisar de licenças ou desculpas. Apenas abraçam-se porque sentem, porque se atraem e não se preocupam com porquês desnecessários. Apenas fluem…
Mas os corpos físicos não. Estão sempre tão carregados de pensamentos sujos e sufocantes que acabam por impedir a alma de se manifestar.
Pensamentos sujos e sufocantes… Tal como os meus.
Às vezes nem sei se sou eu que escrevo ou se é outro para além de mim. Outro que seja livre, que não esteja preso num Mundo onde não pertence.
Este mundo carregado de egos e hipocrisias e violências silenciosas, corpos cansados, exaustos de pensamentos pesados que interrompem a queda da alma no mar do descanso.
Egos, hipocrisias e pensamentos pesados… Tal como os meus…
Ah… Como eu queria poder falar-te disto que sinto. Quero que me oiças. Ou talvez quero ouvir-me…
Este desejo que cresce dentro de mim e quase rebenta quando te vejo…
E é por este quase de que a minha vida tem sido feita. Quase feliz, quase satisfeita, quase bem, quase tropeçava, quase caía, quase morria.
E morrer para mim significa acordar na vida.
Só me sinto realmente a morrer quando estou presente no momento da existência.
Morro para a dor e respiro.
Ou a dor morre para mim e eu agonio…
“Não me tirem a única coisa que me é verdadeira!”, grito dentro de mim quando sinto que a dor foge.
Ah… Sabe bem… Quase tão bem como quando te observo. Quase…
Parece que me envolvo e recheio a minha pele e os meus movimentos por ti. Ou por mim…
Que obsessão. Tenho tendência a dizer que é do outro aquilo que é meu.
Mas ainda não sei se tudo isto é imaginação ou desejo.
Serei eu tão louca ao ponto de criar todo este meu sofrimento? Sim, porque todo o desejo dói…
Ou porque não pode ser partilhado, ou porque acabou ou porque foi impedido de sentir…
Sinto que estou a morrer agora mesmo, neste momento. Chego a senti-lo várias vezes.
Esta sensação perturba-me e assusta-me terrivelmente. Deixa-me o corpo tenso.
Tem vezes que quase vomito, outras que me aflijo e há vezes como esta em que simplesmente escrevo e deixo morrer.
Se ao menos eu pudesse abraçar-te e contar-te tudo sobre este meu desejo. Saborear-te… Não precisávamos de falar. Apenas saborear-nos em silêncio. Intensamente… Com a alma presente no corpo.
Detesto adorar que me vejas. Detesto porque deixo de ser eu quando o faço e passo a ser uma personagem que se quer alimentar de algo como refúgio do vazio insuportável que pulsa intensamente no interior.
Delicia-me o ego quando me observas.
Delicia-me ainda mais a alma quando te observo.
São duas coisas sentidas de maneiras completamente diferentes.
Sentir com o ego rasga-me a alma e fere-me o coração.
Sentir com a alma ilumina o meu peito e aquece-me o corpo, preenchendo cada refúgio do meu Ser por uma luz infinita de conforto e aconchego.
Mesmo assim prefiro ser triste do que feliz. Para mim a tristeza é mais verdadeira do que a felicidade. Ou talvez tudo isto seja novamente fruto da minha imaginação… Mas e se não for? É tão bom desejar-te sendo triste…
Amo quando me olhas com esses olhos de quem está a ver para lá das cortinas que me tapam a alma…
Deve ser por isso que me envergonho. Sinto-me nua.
Envergonho… Ah! Qual vergonha!? A timidez é a desculpa dos desenvergonhados!
Se eu tivesse vergonha nem me chegaria a envergonhar! Só me intimido quando os meus pensamentos são completamente loucos e atrevidos!
E quando me olhas fazes cair tão depressa este pano grosso com que os tapo para que ninguém os oiça e todas as minhas armas caem sobre o chão pintado de sangue vivo…
Que pavor o meu de fazer-me ouvir… No entanto grito para que saibas aquilo que eu não quero que se saiba.
Perdoa-me… Sei que tudo isto é errado. Perdoa-me sujar uma pureza que é tua… Que é minha afinal.
Mas o que sinto é tão forte que chego a sentir medo de mim. Será que sinto mesmo?
Acho que inventei. Estava cansada de só sentir carência. Agora sinto carência, desejo e dor. Sempre é mais alguma coisa…
Desconheço quem sou mas encontro-me em quem tu és.
E quando desejo acabo sempre por me sentir só. Talvez porque tudo isto é mente e nada disto corresponde à realidade em que vivo. Por isso prefiro a sinceridade da tristeza à representação da felicidade.
Por isso sinto-me tão nua quando deixo que me vejas com verdade.
Nada tem um fim concreto ou decidido mas se ao menos surgisse o começo de tudo aquilo que imaginamos…
Não estou à espera que me digas que sim.
Espero-te incansavelmente.
Mostra-me que ao menos desta vez no final não ficarei só eu e a minha mente…
Quero ficar só com a minha mente no final.
Está claro que tudo isto é da minha imaginação. Este eu que imagino ser teu não existe. Tu és outro para além deste. E eu também.
Talvez alguém que eu pudesse amar, mas em completo silêncio. Mais discreta que um grão de areia no meio do oceano, quieta como o céu e leve e suave como uma pena…
Gostava de ver-te chorar. Não para te ver triste mas para poder saborear-te enquanto expressas um dos sentimentos profundos do teu Ser.
Poder ver-te ligado a ti… Talvez porque assim podia sentir-te mais perto. Tudo isto é completo egoísmo. Egoísmo e imaginação pois agora estamos tapados pelo corpo e os panos que nos cobrem os sentimentos não nos deixam abraçar-nos despidos e afastam-nos lentamente para caminhos paralelos.
A paixão ferve-me nos olhos e o amor queima-me o coração como a lava de um vulcão que queima a terra transbordando e rastejando lentamente até onde a força do movimento a levar.
Sou um vulcão. Transbordo em mim… E apaixono-me.
Não me vejas nua.
Sinto que me despes quando me olhas.
Sinto que me despes…
Laura Mendonça
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