Madruguei. Dei por mim às voltas na cama sem conseguir dormir, desistindo. Ainda por cima começava a luz da manhã a entrar pela varanda, e eu sem dormir de maneira nenhuma.
Um súbito impulso apoderou-se de mim e, quase automaticamente, comecei a vestir-me. Silenciosamente saí levando comigo apenas uns trocos no bolso das calças. O súbito impulso voltou a tomar posse de mim e, naquela madrugada, naquele ímpeto de certa loucura peguei na bicicleta velha, e fui.
Uma estranha liberdade tomou-me por completo. Sorri, enquanto pedalava mais rapidamente, olhando para trás. Sorriso criança. Era exactamente isso. Um intempestivo acto infantil. E soube-me bem.
As insónias na minha cama gigante e tão pequena, pareciam estar a muitas e muitas horas de distância.
E que horas seriam? A manhã já clara não mostrava ainda o sol. É porque ainda não estava na sua hora, mas pouco devia faltar.
Decidi não pensar em nada, esvaziar a minha mente, e deixei-me ir. Na minha bicicleta velha.
O primeiro sinal de reconhecimento foi pelo cheiro que apesar de não ser exactamente o mesmo, era ele. Parecia mais fresco, mais puro àquela hora da manhã.
Parei na marginal, deixando a bicicleta jazer ali, e eu própria sentei-me.
Observei cada sinal de vida em meu redor, e então detive-me.
Um velho pescador só entrava mar a dentro, a pé. Galocha verde tropa, gabardina aberta a condizer, por cima de umas calças castanhas e uma camisa axadrezada. Vi-o subir as rochas mais altas e, também ele, sentar-se ali.
O velho pescador só não pescava. Olhava o imenso mar à sua frente, numa nostalgia contagiante. Limitava-se a ficar ali assim, transbordando histórias e memórias. Ou seria já a minha imaginação intrometida? Não sei.
Sei que olhando para ele se percebia os sentimentos que carregava. Uma saudade, uma nostalgia, um aperto. Uma certa lembrança triste de feliz que foi, em tempos.
Esperava por alguém, talvez, por alguém que já não voltava.
Ou não.
O velho pescador só ficou assim ali, sereno. E eu perdida, adivinhando que emoções carregava ele, naquele olhar gasto e cansado.
Quando me apercebi, o velho pescador só já não estava. Estranhei, pois nem me apercebi da sua retirada. Nem me apercebi sequer de que já não o observava mas apenas a nostalgia que trouxera com ele, para a libertar naquele mar sem fim, à sua frente. E então perdi-me eu nela. E ele já se tinha ido.
O sol brilhava impetuoso, lá alto já. Começavam a chegar as pessoas.
É claro que o velho pescador só se tinha ido. Bem antes de isto começar a encher.
E então, eu vim também.
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