Umbelino

 

Umbelino

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Matou-se devagar e sem ninguém ver. Quando alguém se lembrou de olhar já ele não era. Tanto já não era, que ali ficou estendido – alguém com os olhos nele a adivinhar se o sacana voltava ou se se ficava. Ficou-se. Ainda se apercebeu dos olhos de alguém em cima de si mas não foi capaz de voltar. Talvez desse muito trabalho depois de todo o tempo que se demorou a matar, portanto, lá se decidiu a ficar.

Há meses que se matava a sério. Primeiro eram fantasias lúcidas, quando fechava os olhos, nos momentos mesmo antes de adormecer. Pistola na boca, corda ao pescoço, faca no pulso; todos os métodos tradicionais que ocorrem a uma pessoa nesta situação. Depois, muito devagar, deixou de ser só de noite e a morte passou a chegar-lhe de dia. A conduzir, imaginava-se a perder propositadamente o controlo do carro. Quando ia a pé, atirava-se – dentro da sua cabeça – para cima dos veículos em movimento. E no metro? Não tinha havido uma única vez, desde que se começara a matar, em que não se visse estendido na linha à espera que a carruagem o desfizesse em bocados mil. O suicídio tinha começado meses, se pensasse bem, até anos antes.

Quando, finalmente, se matou de vez – nunca se saberá ao certo o porquê daquela tarde, se era por ninguém estar a ver ou por ser um dia triste e cinzento – o certo é que o fez elegantemente. Há pessoas que se matam muito mal, mas ele não – já tinha pensado seriamente no assunto. Foi uma morte muito sóbria, calculada e como já disse elegante. O fato que vestiu naquele dia havia de ser o fato com que ia para o chão, assim deixou recomendado num bilhete cuja ponta se via fora do bolso da lapela. Lá apontou:

“Mãe, quando fores a minha casa repararás que não lavei os pratos do almoço, matei-me. Este fato serve para o caixão. Obrigado. Um beijo do teu filho que se matou, Umbelino.”

- Este meu filho… - abanou a cabeça em sinal de reprovação amorosa. Voltou a pôr o papel no mesmo bolso de onde o tirou, deu-lhe duas palmadinhas no ombro. – Já está, não é? – olhou em seu redor, para quem tinha os olhos postos no miúdo e baixou-se novamente. – Andava nisto sabes deus há quanto tempo! Já está meu filho, já está…

Foi para casa e está a matar-se desde então.

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