Um dia com o tuga em terras de sua majestade

 

Um dia com o tuga em terras de sua majestade

Português

São 4 da manhã, toca o despertador, está na hora de me levantar para mais um dia de trabalho.
Ainda tenho que apanhar dois autocarros, hora de entrada 7:30. Lavo-me, visto-me, tomo o pequeno-almoço, olho pela janela, são 4:30 e o sol já está a aparecer, o céu está limpo, mas parece-me que está frio. Antes de sair visto mais uma camisola dois casacos um cachecol e calço as luvas. Fico todo enchouriçado.
Caminho pela rua ainda despida de gente, até à paragem são 15 minutos a andar, onde impera uma paisagem lindíssima, ao longe avisto um campo numa colina enorme com imenso verde e com um fundo de um sol ainda tímido, o som dos pássaros formam em uníssono o que parece uma sinfonia.
Rotina diária, os 10 minutos que estou à espera do bus encosto-me à montra de um café e dou uma espreitadela no faceboock. NET à borlix.
No autocarro, 45 minutos até à próxima paragem aproveito para descansar a vista e dou umas cabeçadas, acho que por vezes chego até a ressonar, até agora ainda ninguém reclamou. Chego à paragem e ando mais uns 15 a 20 minutos até à outra paragem.
Caminho por um parque lindíssimo.
O frio que se faz sentir é enorme, quase que não me consigo mexer de tanta roupa trazer, mas ainda assim não é suficiente, contínuo com frio.
Ao atravessar a estrada para o outro lado quase que sou atropelado, esqueci-me que estes gajos conduzem do lado errado da estrada, uma buzinadela, eu ainda que meio a dormir levanto a mão a pedir desculpa, de dentro do carro dizem-me qualquer coisa, que não percebi, não era de certeza para me convidar para beber um café, mas rapidamente em bom português o mando para o cara..., e digo-lhe: porquê é que andas fora de mão?, para a próxima não peço desculpa.
O caminho pelo parque dá-me serenidade, aquele longo prado que ainda coberto por um manto branco da geada e um verde que aqui e ali já se mostra com duas árvores enormes isoladas e um bosque cerrado ao fundo, onde por ali convivem harmoniosamente esquilos, corvos enormes, patos que voam de um lago, águias, uns pássaros pretos com riscas azuis e um passarão enorme que vai sobrevoando pelo parque, não faço a mínima ideia do que seja, só sei que é enorme.
Caminhar por ali parece que estou no jardim zoológico. Os animais ainda que selvagens convivem muito bem com a presença dos humanos porque aqui não se faz mal aos animais.
Eu quase que passei a uns dois metros de uma águia que pela relva passeava, a qual ignorou completamente a minha presença.
Qual não é o meu espanto que quando olho para a frente vejo duas senhoras a caminharem na minha direção. De repente fico todo arrepiado com mais frio, uma delas vem de t-shirt e outra de alças.
Ao cruzarmo-nos reparo que afinal há outra raça humana " os roxos". As senhoras estão roxas, quase que fiquei com pena delas porque pensei, coitadas não têm roupa para vestir! Mais à frente um homem que vem de camisa mas de mangas arregaçadas, outro roxo, OK, ou são parvos ou gostam de sofrer. Curioso ou não por mim passam mais uns quantos de calções t-shirts uns quantos carros descapotáveis, chego-me até a sentir mal vestido daquela maneira, mas porra, olho para o lado e o branco da geada ainda lá está, vejo a minha cor de pele e sim tenho as mãos roxas, mas de frio.
Estes gajos ou são malucos ou ao pequeno-almoço encharcam-se em álcool.
Apanho o autocarro, chego ao trabalho. Entretido e distraído passo por um colega e digo-lhe:
- como é que é tás ben?
Ele olha para mim com um ar de quem não percebeu nada. De repente olho para ele, e… Ah, OK, este gajo não percebeu nada e remendo com um good morning. Acho que safei a coisa.
Já o dia ia por aí fora o mesmo gajo passa por mim e diz-me “so João” ao que eu respondo, engraçado eu também sou João.
OK… Olho para trás e vejo outra vez aquela cara de quem não percebeu nada, ao que ele diz, you fine?
Deu-me vontade de responder “não é grosso mas deves ter muito a ver com isso”.
Contive-me e respondi, no meu super inglês ao qual chamo tuguês: "Iá ai-me faine tanque iú"

Passado um bocado a minha manager veio ter comigo e diz-me que tenho que tratar do bin que está no quarto 327.
OK, fico com um ar de quem não percebeu nada, ela olha para mim e volta a dizer: tens que ir tratar do bin que está no quarto 327 rápido. Fico preocupado, faço um ar de quem não percebeu e digo com um ar pouco convincente: Do bin? Ok, Aime gou.
Ela foi-se embora, e eu fico a pensar com os meus botões, e cá para comigo digo: EPÁ, queres ver que os americanos nos andaram a enganar este tempo todo? Então mas eles já não tinham tratado da saúde ao bin? Olha agora, queres ver que tem que ser agora um tuga a tratar da saúde do bin? Ou será que temos hospedado no hotel o Mr. bin, e o gajo espantalhou-se ao comprido e agora precisa de ajuda? Mas que raio tenho que ir tratar no quarto?
Entretanto na minha direção vem a manager com um caixote do lixo na mão.
E eu penso: É com isso que vou tratar do bin? Com um caixote do lixo?
Ela vira-se para mim e diz-me: Isto é o bin tem o pedal partido.
Ahhh! Ok, isto é o bin, um caixote do lixo, fico muito mais sossegado.
Ainda assim não deixei de imaginar, capa de todos os jornais mundiais.
Tuga trata da saúde do bin com um caixote do lixo... Lindo.
Hora de almoço, ou não... Esta é a parte à qual ainda não me habituei, e a qual tem sido mais difícil para mim. Temos meia hora para comer. Até aqui tudo bem... Eles chamam à hora de almoço, Lunch, e eu chamo lanche, porque nos primeiros dias não foi fácil, qual o meu espanto quando chego à cozinha tenho à minha espera o seguinte menu:
Fatias de pão rico, uma travessa com tomate fatiado, uma travessa com alface e outra travessa com pasta de atum.
Ok! Isto é o almoço?
Segundo dia igual, terceiro dia igual. Até que já farto do atum da salada e do pão rico, chego à cozinha e tenho três senhoras à minha frente. Teka, teka,teka teka, não param de falar, e despacharem-se, nada. Ok, agarro num prato, dou a volta para dentro da cozinha e começo a servir-me. Meto a pasta de atum, vejo mais um ou dois ingredientes que por ali andavam, os quais não faço a mínima ideia o que seriam, misturo tudo, componho com o tomate a alface um ou outro molho, e ao mesmo tempo que preparava uma iguaria disse em voz alta em bom tuguês: Againe tuna paste? (outra vez pasta de atum?)
Quem não gostou muito foi o chef, que estava a brincar com uma lagosta enorme, e a fazer palhaçadas.
Depois de misturar tudo uma mão poisa no meu ombro e uma voz diz-me: Faz o favor de sair da minha cozinha, em inglês, claro.
Cresci, olhei primeiro para a mão, depois para o proprietário da mesma, voltei a olhar para a mão e disse-lhe em tuguês: Do pleze taique. (Faz o favor de tirar)
Pousei o prato, calmamente acabei o meu lanche ou lunch, e saí muito devagar. Fiquei ali com um amigo para a vida.
Para falar verdade toda aquela misturada de sabores fez com que fosse diretamente para o "bin", estava intragável.
Serviu de emenda agora levo o lanche para o almoço e o lanche para a tarde comigo na mochila. Isto é que é qualidade de vida lanchamos duas vezes.
Em relação à pasta de atum, nos próximos tempos nem quero ouvir falar, e o atum foi riscado da lista de compras cá de casa.
Finalmente fim do dia, 4h e estou pronto para mais quase 3h de caminho até casa.
Para mim o mais difícil é a comunicação, eu que gosto muito de falar e brincar com as pessoas, às vezes torna-se frustrante, porque eu percebo praticamente tudo o que dizem, mas depois não me consigo expressar, pois ainda estou muito enferrujado, e isto de pensar em português e falar em inglês torna-se cansativo.
Mas à bom tuga vou-me desenrascando e todos no hotel gostam de mim, e metem-se comigo, acho que querem é aprender tuguês.
Apanho o bus e quando saio, faço aquilo que por aqui os ingleses fazem ao sair do bus e que acho muito giro, que é agradecer ao motorista, thanks driver. Acho que sei porque agradecem,
deve ser porque ficam felizes por chegar ao destino, é que aqui os motoristas é sempre a abrir, sempre prego a fundo, e ainda por cima fora de mão, grandes malucos, que medo.

Na localidade onde paro, volto a caminhar pelo parque, mas desta vez em sentido contrário.
Está sol, mas muito frio, eu, continuo todo enchouriçado, com bastante roupa vestida.
Ao começar o meu trajeto pelo parque ouço ao longe um ruido de pessoas a rirem, falarem, a brincar.
Até estou com medo do que vou encontrar, se de manha já andavam de t-shirt, nem quero imaginar como andarão agora. Provavelmente a curtirem o sol de fato de banho ou pior ainda.
Continuo a caminhar e ao aproximar-me, lá estão eles… os roxos.
Brincam no manto verde que de manhã era branco, em famílias completas, uns fazem pic-nic, outros jogam a bola, correm ou simplesmente estão sentados a ler um livro.
E sim… o meu receio confirma-se, todos de manga curta, calcões e alguns em tronco nu, não fosse o frio que se faz sentir, por momentos parecia que estava a caminhar num qualquer parque em Portugal.
Passo a estrada para o outro lado e afasto me o mais possível, até me sinto mal ter tanta roupa vestida.
Pelo canto do olho vou admirando os roxos, vejo crianças meio despidas, mas o ar de felicidade que eles emanam faz me pensar…
Se calhar daqui a uns anos também eu vou ser assim.
Acho que deve ter uma razão, pois aqui é tão raro aparecer o sol que quando aparece é festa, e frio? Qual frio qual quê, é preciso é aproveitar o sol.
Mas para já, enrosco-me ainda mais, coloco as mãos nos bolsos do casaco, e continuo a minha caminhada até à próxima paragem.
Fico por ali uns bons 50 minutos à espera do bus, e vou apreciando os carros que por ali vão passando.
Chego à conclusão que de carros não percebo nada.
Em cada 10 carros que por mim passam, 8 são de gama alta, e desses 8 o mais fraquinho é Porsche, os outros? Não sei o que são, só os tinha visto em filmes, pensava até que fossem ficção.
São de todas as cores e feitios, até um de cor alumínio vi, mais parecia um espelho com rodas. É impressionante.
Pelo menos dá para passar o tempo e tentar adivinhar que carro é.
Chega o bus, vou sentar-me e tentar descansar as pálpebras até casa, são uns bons 45 minutos que dá para dormir um bocadinho.
Assim pensava eu.
Á minha frente tenho um senhor e uma senhora.
Ele, acho que é primo do Emplastro.
A diferença é que este fala, fala e muito.
Eu tento aconchegar-me e fechar os olhos, mas cedo percebi que esta ia ser uma viagem difícil.
De tão cansado estar fecho os olhos e adormeço, mas uma voz de fundo perturba-me, abro os olhos, ainda que com dificuldade, olho para o gajo que ali esta, a rir e a falar alto, todo satisfeito da vida, volto a fechar os olhos e em pensamento digo...
Já fechavas a matraca o camone, ainda se dissesses alguma coisa de jeito, alguma coisa que compreendesse.
Não sei mas apaguei, sei que aquele ruido de fundo me acompanhou em todo o percurso, até que de repente um silêncio. Que bom, mas de repente, em sobressalto abro os olhos, olho para a rua, e ainda meio a dormir e com os olhos inchados apercebo-me que conheço aquela rua, tenho que sair, já cheguei, lá fora vejo o gajo que veio a fazer barulho todo o caminho, levanto-me, quase que caio, ainda meio a dormir, caminho em direção à porta de saída e tenho a sensação que disse ao motorista ainda numa voz meio embargada e rouca...
Obriganques...Nem eu sei o que quis dizer mas talvez uma mistura de obrigado e thanks.
Mochila às costas e lá vou eu em direção a casa, mais uns 20 a 30 minutos, agora é um pouco mais, pois é a subir.
Pelo caminho vejo uma faixa enorme colocada num muro com uma publicidade.
Sábado festa da cerveja com mais de 25 cervejas nacionais diferentes.
Faço um ar de espanto, grande animação?!
Continuo a ler e qual não é o meu espanto o horário é do meio-dia até às 7.30 h.
Uau que loucura, até tão tarde? Como é que eles conseguem?
Sim, porque por aqui fecha tudo às 5 h, e ficar até às 7.30h é de loucos.
Finalmente chego a casa e tenho à minha espera a minha família linda, ainda que incompleta. Que bom.
A minha filha mais velha está a fazer os trabalhinhos de casa, os mais pequenos estão agarrados à TV, a ver desenhos animados tão concentrados que quase parece que estão a perceber o que estão a dizer, a minha mulher está a começar a fazer o jantar, pois daqui a pouco vai ela trabalhar.
De repente o Duarte diz: corta a relva...
Sim, também ele está a aprender o dialeto (tuguês),
Esta é uma expressão que usamos em Portugal, e que quer dizer, mas que raio..., é que em Inglaterra o som que se ouve é: uata a rrele. É lindo.
Preparo-me então para mais uma etapa, banhos ao pessoal, jantar, deitá-los e ir para a cama, porque daqui a pouco o despertador está a tocar para mais um dia de trabalho e aventura de um tuga em terras de sua majestade...
 

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