Só tinha uma hipótese

 

Só tinha uma hipótese

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Só tinha uma hipótese: ir.

Não tinha escolha. Aquela outra dimensão clamava por si em altos brados.

Desde a adolescência que buscava avidamente um sentido para a vida. Aprendera a ler em tenra idade e, como nunca ninguém tentara inteirar-se do modo como se instruía desde que tivesse sucesso escolar, devorou todos os livros que poderiam fornecer-lhe respostas, sem critérios definidos nem ordem cronológica. Começou pelas histórias de encantar e pelas aventuras juvenis, mas depressa se cansou, começando a fazer incursões pela filosofia, teologia, psicologia, esoterismo, magia. Estudou enciclopédias de história e leu tratados de medicina, na íntegra. Recolheu informação sobre as mais diversas sociedades “secretas”, contactou autores contemporâneos cuja obra conhecia de todos os ângulos, realizou actos de poesia. Reuniu uma biblioteca mais rica do que a do município onde vivia (o que não era muito difícil).

Agora, no meio da vida, depois das buscas incessantes que tinha vindo a realizar, fora-lhe feito aquele convite. O seu trabalho fora notado. Era um dos eleitos. Exactamente às sete horas e sete minutos do dia sete de Julho, se decidisse aceitar, atravessaria um Portal para outra dimensão. Uma viagem cujo fim desconhecia e cujo início ignorava igualmente. Nenhuma informação. Nenhuma luz. O vazio por excelência.

Era percorrido por um calafrio de cada vez que pensava no assunto e se aproximava de uma decisão. Um frémito que ora o aterrorizava, ora o excitava. Desejara anos a fio algo que pudesse assemelhar-se a isto, mas este branco total, esta ignorância absoluta da meta a que levaria esta viagem, desconcertava-o mais do que alguma vez pudera imaginar.

            Havia uma família que amava, uma sociedade que conhecia, um mundo com uma lógica de funcionamento em que podia movimentar-se razoavelmente, apesar de tudo. Quanto pesava na sua balança o mergulho no sonho de uma vida?

            Para simular um abandono total, despojou-se dos objectos pessoais e das roupas e estendeu-se ao comprido, na escuridão, no silêncio.

Sem justificações. Sem despedidas. Sem saudações. Só tinha uma hipótese: ir.

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