Todos os dias faço este caminho. Passada a escadaria da entrada, o mundo assalta-me em toda a sua cínica e fútil realidade. Rostos toldados de sono pouco recompensador da noite anterior, entram nos meus olhos e parece que lhes sinto o hálito fétido sobre os ombros.
Ao passar a figueira no cruzamento, estou cada vez mais perto de entrar na multidão que se aperta no vácuo de mais uma viagem para o trabalho.
E eu não quero ser como eles.
Todos os dias penso nisso. Todos os dias repito o mesmo caminho. Todos os dias faço-me acompanhar das mesmas caras desconhecidas e, no entanto, demasiadamente familiares.
Uma multidão oca, egoísta e sem propósito.
Um monstro destruidor, de muitas caras vem-me ao pensamento, quando fecho os olhos e me deixo embalar pela sombra. Fecho os olhos para não ter de ver a multidão, mas abro-os de seguida para não ter a imagem horrível daquela quimera a fixar-se, sedenta.
Não sei dizer bem por que anseia... Fixa-me. Sem disfarce ou dissimulação, os seus olhos enormes, vorazes, percorrem o espaço e nada está fora do seu alcance. Como se possuíssem qualquer toque divino, fazem-se sentir até ao osso.
Não sei o que procuram. Penso que qualquer coisa servirá para entreter a vista, e ela entretém-se, de facto. Sobre “o outro”.
Muitas vezes me perguntei se fomos sempre assim…
Ao fundo, já vejo o jardim passar rapidamente ao meu lado. Tornei a falhar a minha paragem.
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