Prefácio

 

Prefácio

Português

– Pronto, menina, já cá não está quem falou!

Foi a resposta do empregado do café quando ouviu que o pretérito imperfeito pressupunha a continuidade da acção, ao contrário do pretérito perfeito que era aplicado aquando da finitude do acontecimento, o que deitava por terra a observação “Queria, já não quer?”, destruindo o quotidiano laboral do indivíduo, já que este teria de mudar a deixa com que atendia os clientes, de preferência para uma que não fosse aniquilada por teorias caras de uma rapariga mal-humorada devido ao facto de, aos 25 anos, ainda pintar fora das linhas do livro de colorir pertencente ao filho da madrinha.

– Todas as peças de teatro que poderiam existir já foram escritas.

Ouviu-se do canto mais escuro do café. Quem proferiu foi um dramaturgo jamais existente – por razões de atraso óbvias – que despendia as suas horas ali sentado, pois ainda faltavam milhões de anos para o Sol se extinguir e a missão dele já fora cumprida por outros, agora restava-lhe esperar…

– Pede-se encarecidamente aos estimados clientes que coloquem o papel higiénico e os demais resíduos no caixote do lixo. Atentamente, a Gerência.

Lia desesperadamente um homem que largara a literatura por esta ter sido corrompida pelo mercado. Só os avisos e chapas informativas se mantinham fiéis à linguagem por esquecimento e desinteresse dos cidadãos, transformando lugares comuns em discretas bibliotecas espalhadas por toda a cidade, percorridas por aquele amante insatisfeito, saudoso de outros tempos.

– Como seria socialmente aceite afirmar que a atracção provinha do intelecto e não do físico!

Suspirava a jovem que todos os dias, antes de ir para a faculdade, bebia um sumo de maçã para aconchegar os pensamentos surgidos durante a noite, provocados por um sujeito a quem devia dizer apenas “Gosto de ti como pessoa”, o que não fazia sentido segundo ela, pois ninguém gosta de alguém como “animal” ou “planta”, porém ele era muito mais velho e era isso que devia ser dito.

Após ter lido o excerto, resolveu que era aquele o livro que levaria:

– Vai ser este, senhor. Queria que o embrulhasse, se for possível.

– Queria, já não quer?

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