Ela já não sabia se deveria desistir ou se seria importante insistir mais uma vez.
Ou duas. Ou as que fossem precisas.
Nem sempre era capaz de decidir entre esquecer ou querer. Entre pintar as paredes de outra cor qualquer ou mudar de casa.
Bater com a porta parecia-lhe ser uma das soluções possíveis. Mas continuava a haver mais do que uma. E ela era essa angústia, essa dúvida. A hesitação podia ser uma coisa terrível. Era-o quase sempre. Principalmente quando hesitamos entre o que não temos, a incerteza de continuar a aguentar e aquilo que acreditamos merecer.
Gostava de não ter medo de perder a memória se decidisse seleccionar o que queria guardar na gaveta das lembranças. Os verbos pareciam-lhe todos demasiado imperativos. Partir era um deles. Custava-lhe a indeterminação do que se quebraria para sempre no dia em que decidisse partir. Gostava de ser capaz de dominar a memória, de escolher aquilo que queria levar com ela e o que preferia queimar com os restos da história. Queria ser capaz de abraçar o futuro sem ter medo de ficar presa por um fio entre o que deixou para trás e o que acreditava que poderia estar lá à frente.
Nem sempre é fácil caminhar. E não é só por causa do caminho. Nem sempre são as pedras que encontramos que nos fazem tropeçar. Há obstáculos de todas as cores e de todos os tamanhos. Os piores são os que nem sequer conseguimos ver por estarem guardados numa ou noutra assoalhada dentro de nós. Às vezes ela lembrava-se disso. Apercebia-se que talvez o maior perigo estivesse dentro dela e não no caminho.
Os maiores medos são os que guardamos e são uma das coisas mais pessoais e intransmissíveis que podemos ter ou sentir. Porque nem sempre os reconhecemos e dificilmente os tratamos pelo nome, mas principalmente porque quase nunca somos capazes de os explicar, de os compreender e de os partilhar. Porque é mais fácil sonhar do que perder. É mais fácil esperar que aconteça do que pensar que desistimos. É mais fácil desejar o que se quer do que perder o que se tem. Ela sabia disso. Às vezes sabia disso. Sabia que estava apenas a escolher o caminho mais fácil. Queria ser capaz de escolher o caminho certo. Ou outro qualquer que a levasse para um sítio onde lhe apetecesse acordar.
Às vezes acordava sem saber se ia conseguir chegar ao fim daquele dia. Porque o tempo passa, passa sempre. E com o tempo passa tudo ou quase tudo. Mesmo quando o tempo se arrasta numa agonia e numa incerteza vã e estéril.
Não gostava da vida que tinha mas não tinha a certeza de ser capaz de viver outra qualquer. Bater com a porta era uma das soluções possíveis. Só uma. Gostava de conseguir sair pela porta fora. Ser capaz de a fechar sem ter que bater com ela. Gostava de aprender a renunciar e a acreditar. Gostava de ser capaz de fazer uma mala bem feita e seguir viagem.
Precisava de sair dali, de adormecer as mágoas cansadas, de sonhar com as lembranças que a faziam sorrir e de guardar isto tudo num canto qualquer que iria entoar para sempre em qualquer caminho que escolhesse calcar.
A porta estava ali e ela sabia que no momento em que a resolvesse atravessar não ia apenas sair dali. Ia entrar num sítio qualquer. As portas servem para isso. Ela sabia disso só lhe faltava acreditar.
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