Penúltimo Tango

 

Penúltimo Tango

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Penúltimo Tango

 

Neide Heliodória

 

A feira de San Telmo era seu palco sagrado, ritualístico. No prelúdio, ela teria gastado quase 50 minutos para fazer a maquiagem, é que os vincos desenhados na pele que contava 72 anos já dificultavam os desenhos feitos no kajal, mas ela nem se fazia de rogada, jeito era acordar bem mais cedo, vestir a roupa da personagem: a meia preta arrastão, sapato de salto e se entregar ao ritual que o Tango exigia

 

As manhãs de domingo acordavam achando a vida de um bom gosto, de um bom grado com aquele cheiro de orvalho, café e canela e suas conseqüentes andanças.

O partner, o marido, de tantos anos também apreciava aquele dia dedicado à dança, afinal lá, naquele ambiente de antiguidades, comidas típicas e musicalidade, eles poderiam se entregar à nostalgia do tempo ao qual teriam sido agraciados pelas alegrias e dores pungentes que nos fazem desesperar e renascer.

 

Em tantos anos, foram marcados desencontros sem número decente. Indecente também um golpe do destino que arrancara brutalmente da dimensão dos vivos um filho de apenas 22 anos. Outros amores também vieram à baila para ambos trazendo novidades, desilusões,  idas e vindas. Cada reconciliação era marcada pela dança. As melodias tristes, dramáticas sopravam os ouvidos de lembranças como se a música pudesse adivinhar o mais secreto pulsar de corações. 

 

Os ensaios eram em casa, no entanto a magia se apresentava mesmo nas esquinas de San Telmo, era como se fosse vital o olhar dos transeuntes. Era pulsional sentir a atmosfera daqueles que paravam para assistir e adivinhar histórias. O chapéu no chão a recolher moedas não importava mais, era só composição do cenário, pois, modestamente a aposentadoria garantia-lhes uma vida confortável.

 

Daquilo que se apresenta fica o registro possível: os manejos e caprichos do amor que vai e que volta incessantemente. Num dos passos, o marido a fita com seus olhos de cor amadeirada. Ela... não precisa adivinhar-lhe os pensamentos e o responde com seus olhos marejados de tanto amor.

A vida e seu indisfarçável codinome: Destino, fez o convite_ Ou você dança ou “dança”, e ela que não se prestava às queixas e lamúrias não declinou, fez menção de dama e se deixou só desta vez, ser conduzida pelo partner.

 

 

 

 

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