O poema e o poeta

 

O poema e o poeta

Português

 

 

Havia um poema que precisava de um poeta, para o concluir… E havia um poeta que precisava de um poema, para o inspirar! Mas os dois nunca se encontravam, porque andavam sempre por locais diferentes e, muitas vezes, em sentidos opostos… Quando o poeta saía, o poema entrava; quando o poema ia para a esquerda, o poeta ia para a direita! E assim andaram durante muito tempo, sentindo a falta um do outro, embora não se conhecendo…

O poeta sentia-se, de facto, muito estranho. Tinha a nítida sensação que lhe faltava alguma coisa, embora não soubesse bem o quê… De noite, tinha imensos pesadelos. De dia, um peso tão grande no coração que nem sabia o que fazer. Chegou a pensar que estava a ficar doente, o que, se calhar, não andava longe da verdade… Não conseguia inspiração em nada. Não conseguia escrever uma palavra que fosse… Cada vez mais só, isolava-se de tudo e de todos.

O poema, por seu lado, andava pelas ruas da amargura… Triste, abandonado, sem ninguém que o acolhesse, parecia um mendigo! Coitado! De vez em quando lá perdia uma palavra ou uma letra… Cada vez mais incompleto, metia dó. Ninguém lhe ligava. Ninguém o queria ler. Todos o punham de lado. Um poema sem sentido não fazia mesmo sentido nenhum. Então, nem sequer reparavam nele. E o poema ia definhando aos pouquinhos, cada vez mais infeliz, cada vez mais curto… quase tornando-se invisível aos olhos de quem passava por ele!

Até que, um dia, por acaso, sem sequer imaginarem, foram precisamente chorar as suas mágoas ao mesmo lugar… O poeta gostava muito de apreciar o pôr-do-sol lá à beira-mar, por isso, dirigiu-se à sua praia favorita, recostou-se numa cadeira de uma esplanada e aguardou pacientemente que o sol se começasse a recolher. Esperava que aquele momento lhe trouxesse a inspiração há algum tempo perdida…

Estava o poeta em momentos de reflexão, deleitando-se com a paisagem que se estendia à sua frente, quando, olhando para o lado, ali bem pertinho de si, vislumbrou algo que chamou a sua atenção. Chegou-se mais perto, pois estava intrigado. Aquilo tinha um aspeto esquisito… Uma bola de papel, seria? Então, debruçou-se ligeiramente, estendeu a mão em direção à areia e apanhou um objeto estranho, que desenrolou cuidadosamente, para não rasgar. Foi então que pôde ler algumas linhas… versos, pareciam. E, nesse momento, algo se iluminou dentro dele, como se um clarão enorme tivesse tomado conta do seu coração e da sua alma!

De início, achou tudo muito estranho. Não compreendia o que estava a acontecer, mas soube-lhe bem ler aquelas palavras. Era como se tivesse entrado noutro mundo e encontrado aí o sentido para a sua vida! Pareciam palavras mágicas! Quem as teria escrito? Por que motivo estariam ali abandonadas na areia da praia, esquecidas como se não tivessem valor nenhum? Não tinha respostas para essas questões, porém, decidido, dobrou o papel com cuidado, guardando-o no bolso da camisa. Em casa veria o que fazer…

Por seu lado, o poema agora encontrado – era de facto o tal poema que procurava um poeta para o concluir- parecia ter, finalmente, encontrado o seu destino! Depois de meses e meses à deriva, ignorado e desprezado, alguém tinha reparado nele. Aconchegado no bolso da camisa, aquecido pelo calor do corpo do poeta e, mais do que isso, aquecido pelo som do seu coração, o poema ganhou nova vida. Protegido e acarinhado, cada uma das suas palavras ganhava também novo ânimo, queria crescer mais… ser mais… ultrapassar todos os limites!

Ao chegar a casa, o poeta foi rever o papel que encontrara. Instalou-se confortavelmente no cadeirão do seu escritório, onde habitualmente trabalhava os seus textos, desdobrou a pequena folha e leu o que nela estava registado. As sensações que tivera no início, quando vira o papel pela primeira vez, repetiram-se, com mais intensidade, agora. Algo o incentivava a continuar… a fazer daquelas palavras, as suas palavras, como se assim tivesse de ser! Foi então que, quase sem pensar, a sua mão direita agarrou no lápis, começando a escrever, continuando o poema iniciado na folha. E as palavras foram-se sucedendo umas às outras, desaguando nas linhas ainda em branco, inundando toda a folha e a alma do poeta! Naquele escritório voavam palavras por todo o lado, e os versos criavam uma música sublime que só o poeta podia ouvir e entender! Assim se fez o poema!

Terminada a sua obra, o poeta leu e releu o que acabara de conceber. Aquelas eram as suas palavras, mas não pareciam ser… Reconhecia-se naquela folha, todavia, ao mesmo tempo, pressentia que ali havia muito mais que isso. O poema, esse, conseguira encontrar o seu caminho, a pessoa certa para o concluir. Não sendo mais um poema por completar, tinha realizado o seu sonho. Sabia que, a partir desse momento, seria muito mais do que um simples poema, seria O Poema! E foi, na verdade! Muitos anos depois desta história ter acontecido, aquele poema ainda era considerado o melhor de todos os que tinham sido criados por aquele escritor. Não sabiam bem porquê… não sabiam explicar… Talvez porque o coração do poeta continuava a bater daqueles versos, mesmo depois de ter morrido.

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