Meu pai sempre gostou de andar na estrada. Na minha infância, lembro-me de que ele transportava combustível para aviões e depois, teve uma empresa de ônibus. Nós ainda éramos pequenos e pedimos a ele que comprasse uma máquina de escrever, pois precisávamos fazer os trabalhos da escola. Como éramos quatro filhos, minha mãe decidiu que o melhor lugar para a máquina ficar era na sala de jantar, onde todos nós pudéssemos usar. Na noite em que meus pais decidiram viajar, deixaram as malas prontas no quarto deles, que ficava ao lado do meu. Quando fui dormir, passei pela sala de jantar e vi a máquina em cima da mesa. Decidi que o melhor era leva-la para o meu quarto. Não sei por que tomei essa decisão, mas algo me dizia que eu precisa levar a máquina para o meu quarto. E foi o que fiz. Coloquei-a em cima da minha escrivaninha e fui dormir. Dormia no quarto também a minha irmã. Em determinada hora da noite, eu vi a porta se abrir e uma lanterna focar a cama da minha irmã e a luz percorrer todo o quarto. Achei aquilo estranho e perguntei: pai, o senhor já vai viajar...? Não obtive nenhuma resposta e fiquei atenta aquele silêncio estranho. Continuei acordada, até que ouvi minha mãe gritar: Nayr ,tem ladrão dentro de casa! Meu pai achou que minha mãe estava sonhando e nem fez caso, até que ela começou a sacudi-lo até ele acordar. Meu pai se levantou e viu que a casa estava toda revirada e a porta estava aberta, com a chave pelo lado de dentro. O ladrão era um homem que havia se oferecido para consertar o telhado. Na verdade, ele havia ido lá para observar de que forma ele poderia penetrar na casa sem fazer barulho. A báscula da cozinha estava aberta, então supomos que ele havia usado uma criança para entrar e abrir a porta, Conclusão: a máquina de escrever o ladrão não levou, graças aquela intuição que eu tive de que precisava leva-la para o meu quarto. O ladrão levou tudo o que podia levar e saiu carregando um saco às costas. Quem afirmou isso foi as nossas três vizinhas idosas, que passavam a noite acordadas, olhando pela janela. Elas fizeram a descrição em detalhes do ladrão, por isso chegamos a essa conclusão. As malas cheias de roupas para a viagem, ele não conseguiu levar, porque a mãe gritou: pega ladrão! Ainda bem que o ladrão fugiu. Estava armado com o revólver que meu pai guardava na gaveta.
Débora Benvenuti
Nota: Meu pai se chamava Nayr e minha mãe, Camila. Há cinquenta anos, isso era um fato incomum. Ninguém tinha coragem de chamar meu pai pelo nome. Quando chegavam lá em casa, pediam para falar com o senhor Camilo e com a dona Nayr, o que fazia com que déssemos boas risadas.
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