O CÚMULO DA DISTRAÇÃO
João vivia no mundo da lua; andava permanentemente distraído. Estivesse onde estivesse, não se apercebia – na maioria das vezes –, daquilo que o rodeava. Mesmo que ao seu lado estivesse a mulher mais bela do planeta, o seu pensamento girava a cem à hora – voava para outros mundos –, alheando-se da conversa que, supostamente, deveria manter com quem o acompanhava.
Morava num apartamento de luxo, num prédio de onze andares. Quando regressava a casa fazia-o quase de forma automática, alheado de quem e por onde passava; parecia quase um “robot”.
Naquele fim-de-semana solarengo, foi dar o seu passeio matinal, acompanhado pelo seu “caniche” que, só por mero acaso, ainda não tinha ficado perdido num qualquer recanto da cidade; voltou a casa, meteu a chave na fechadura e estranhou que a mesma estivesse aberta, mas não se preocupou; ter-se-ia esquecido de a fechar.
Olhou, boquiaberto, para a desarrumação que ia pelo vestíbulo; não se lembrava de o ter deixado naquele estado; ou teria? Estava confuso. O quarto saía uma música suave, sensual e simultaneamente, perturbadora. Levou o cão até à varanda e reparou que não se parecia com a sua. Mas o que lhe estava a acontecer? Estaria a sonhar? Que diabos, distraído sim, mas não tanto. De repente exclamou: assaltaram-me a casa! É o que dá as minhas distrações. Tenho que passar a ser mais cuidadoso. Ai João, onde andas com a cabeça? Começou a sentir-se um pouco nervoso (coisa rara nele).
Dirigiu-se ao quarto para trocar de roupa. Quando empurrou a porta do quarto, que se encontrava semiaberta, deteve-se abruptamente. Não podia acreditar! Na sua cama, sim… na sua cama, duas mulheres nuas, sensuais e bem-feitas praticavam os mais insidiosos jogos eróticos, que nunca se atrevera a pensar que podiam existir. Não deram tão pouco pela sua presença.
De repente sentiu que algo o atingiu na cabeça. Momentaneamente, tudo ficou escuro. Caiu redondo no chão, como uma bola e sentiu-se atingido com um murro na boca do estômago. Ouviu uma voz rouca e surda: que está aqui a fazer? Rua, rua, seu energúmeno.
João ouviu o latir do seu cãozinho ao longe. Atordoado, conseguiu soerguer-se, chamar baixinho por ele, que rosnou a quem assim o atacava. Lentamente, muito lentamente, saiu porta fora. Lembrou-se de olhar para o número que estava por cima da porta: 313.
O fazia ali se morava no 331? A sua distração transformara-se num pesadelo.
NATÁLIA VALE
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