Morrer por amor

 

Morrer por amor

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Um dia Leonardo decidiu acordar. Ao levantar-se da cama reparou que se encontrava numa sala vermelha, um vermelho escuro que contrastava com o verde da criatura deitada ao canto do cubículo. Por uns momentos ignorou o ser. Refletiu no sonho estranho que tinha tido, onde tinha uma família e amigos, uma vida. Algo que esqueceu de seguida, como lhe acontecia com todos os sonhos. A sua atenção virou-se de seguida para o animal, tinha de o passear já, passava algum tempo desde que não o fazia. Auxillium se chamava o bicho, uma barata verde de metro e meio que Leonardo tinha morto num sonho, tinha concluído que a um animal morto se dá o nome numa língua morta, daí o espalhafatoso termo.

De imediato saiu com o inseto gigante numa trela. Caminhou pelo campo enorme que se apresentava à sua frente, fitou o céu roxo estrelado e sorriu, quão belo e descomplexado era o seu pequeno mundo. Mas este momento de distração levou à fuga do bicho, que de imediato correu desenfreadamente com as suas pequenas pernas pelo imenso descampado. Leonardo correu atrás da criatura até chegar a uma pequena jaula que se encontrava no meio daquela planície. Dentro da jaula estava um homem completamente nu, coberto por uma estranha camada de pomada que brilhava, refletindo a luz do nascer do sol e a da fogueira que se encontrava em frente à pequena caixa de metal.

“Quem és?” perguntou Leonardo, curioso para saber a história do homem, este último levantou-se e virou-se de forma a fitar Leonardo nos olhos. “O meu nome pouco importa, aquilo que quero é sair desta jaula.”. “Mas porque estás trancado?”.”Alguém me trancou aqui como forma de punição pela minha paixão proibida.”, ao proferir estas palavras os seus olhos resplandeceram devido ao reflexo da fogueira. Neste momento Leonardo encontrava-se deveras curioso. “Eu ajudo-te a sair, se me explicares o porquê de esteres aí.”. O homem encolheu os ombros num gesto que demonstrava que achava justos os termos da proposta. “Muito bem. Devo avisar-te que é uma história muito pouco interessante e bastante curta. Desde pequeno que adoro fogo, o calor, a segurança e a utilidade, são tudo fatores que admiro bastante. Então durante a adolescência, durante o meu crescimento sentimental comecei-me a sentir atraído pela labareda, pela chama, pelo que arde.”. O rapaz encontrava-se confuso, “Então estás apaixonado pelo fogo? Como este que se encontra à nossa frente?”, o homem acenou afirmativamente.

Sim, pensou Leonardo, o fogo é brilhante, quente, fonte de vida, algo verdadeiramente apaixonante. Mas também é cruel, insensível, incapaz de amar. A paixão que arde dentro de nós não arde da mesma forma que o verdadeiro fogo, esse amor verdadeiro, esse ardor que sentimos no nosso coração não se enquadra no fogo material. A chama é carnívora, besta imbatível que devora tudo o que encontra até ser morta, sufocada, afogada na sua insanidade de querer possuir tudo o que vê, tudo o que sente, até o que a impede de viver.

Mas este pequeno discurso mental nunca chegaria aos ouvidos do pequeno homem que vive na jaula. Pois as grades que o paravam foram desfeitas por Auxillium que cumpriu o seu destino eterno e ajudou este ser. Mal foi libertado, o homem correu loucamente para a fogueira cujas chamas cresceram repentinamente envolvendo-o e consumindo-o de imediato.

Durante uma série de minutos Leonardo não falou, ficou em silêncio parado na escuridão até o sol nascer por completo, sem sequer pensar, pois esta tinha sido a primeira vez que o jovem tinha visto alguém morrer por amor. 

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