Madrugadas Acordadas

 

Madrugadas Acordadas

Português

Vais voltar? Ou vais continuar a ir?
“Queres que fique?” Para de sussurrar, para de fazer eco, para de falar. Como se alguma vez fosses ficar, como se alguma vez eu fosse ficar à tua espera… Mas é claro que eu quero que fiques, mas é claro que eu vou esperar por ti.
Não, não vou tirar o relógio que bate por ti, e não, não vou adiantar o teu ponteiro, vou atrasar o meu, e sim, a marca das 25 horas que criei para ti mantém-se intacta até que o teu ponteiro lá chegue e decida ficar. Sim, 25 horas, uma hora a mais, porque nessa hora bate o impossível, o seres meu, o amor ser recíproco… Tudo bate nessa hora menos o teu ponteiro.
Nada voltou a ser simples, desde a nossa última despedida, da tua e por consequência da minha.
É difícil ser o presente dos teus ausentes. É complicado entender o que falas quando permaneces em silêncio. Interpretar todos os teus gestos e expressões quando estás quieto.
Como é que tu estás? Tu já foste à tanto tempo, como é que estás agora? Ainda usas o mesmo corte de cabelo? E aquela barba desmazelada que eu tanto gostava? A camisa ao xadrez desapertada? As sapatilhas brancas rasgadas e sujas? Ainda tens aquela rebeldia inconformista no olhar? Ainda és viciado em Hemingway? Como estão os desenhos do teu caderno? Já os coloriste ou continuas trancado no teu mundo a preto e branco? Continuas a achar que Miller é melhor que Kafka? Continuas a escrever nas esquinas do teu prédio e a adormecer no parque? Continuas a preferir o lado esquerdo da cama? E o café ainda tem de ser frio?
Ainda és como eu me lembro? A minha imagem de ti ainda é a certa ou mudaste sem me contares? Se calhar mudaste, cresceste alguns centímetros e se calhar já não calças o 40… Se calhar seguiste em frente e eu esqueci-me qual é a direção que não vai ao teu encontro. Eu só quero que voltes.
Queres que implore?
Não demores, se no fundo fores mesmo voltar, fá-lo num ápice, vem a correr, vem com pressa, vem com saudade cravada no peito, vem com vontade, vontade de voltar, ficar, de nunca ir, vem, apenas vem, mas por favor apressa-te, os meus lençóis já estão a perder o teu cheiro, o meu caderno já está a esquecer o teu nome, o meu corpo já sente falta do teu toque… Não me deixes esquecer-te, não te esqueças de mim também.
Mas eu sei que não vais voltar e sei que o que te escrevo é uma despedida e nem é uma das boas, são apenas palavras soltas e desinspiradas num papel já rasgado que encontrei numa gaveta de uma secretária já enferrujada pelo tempo que não perdoa e faz esquecer.
Talvez pudesse ter sido diferente, talvez se a secretária não tivesse ferrugem, talvez se a porta não estivesse trancada ou a janela fechada, talvez se a cama não estivesse desfeita, talvez se tivesses a camisa vestida, talvez se eu não tivesse feito tanto, talvez se tu tivesses feito alguma coisa, estarias aqui, ao meu lado, calmo, sereno, constante… Talvez, um dia, ou talvez uma noite, tens um horário de facto curioso.
Eu sei que me estou a contradizer quando te digo que o que mais quero é que voltes mas o que mais preciso é que fiques, que fiques aí, longe, longe de mim, de nós, da minha confusão que foste confundir ainda mais.
Deixaste-me aqui, como se eu fosse uma memória de infância de quem já envelheceu, o último dia de trabalho de quem já se reformou, a última folha de uma árvore que já se despiu.
Passou da hora meu bem, estás atrasado e o nosso relógio não volta atrás, nunca voltou, nunca vai(s) voltar e aí apercebo-me que o relógio tem mais poder do que o próprio tempo.
Não foi a falta de tempo que nos condenou, foi o excesso dele… Foi termos todo o tempo do mundo e não o sabermos… Foi a saudade de um nós de antigamente, foi a preocupação com um nós do futuro, foi o esquecimento do nós do presente…
O tempo é tão perigoso entre apaixonados… (desculpa se te assustei com uma verdade que ousaste desmentir), o tempo salta, corre, marcha, acelera… e nós? Nós ficamos parados num tempo que nunca vai parar por nós.
Mas com o tempo que me vai sobrando eu vou usar as 26 letras do abecedário para escrever sobre nós, já que é a minha única hipótese de voltar a um passado onde ficavas, um futuro em que voltavas e um presente onde deverias estar.
De que sentes mais falta? Que bocado de ti me deixaste?
De mim levaste a única coisa que queria comigo, a inspiração de escrever, escrever sobre ti, para ti e por ti. Acredita, escrever sobre ti já foi mais fácil.
Agora até o meu caderno está desorganizado, irrequieto, confuso, baralhaste-me as páginas, trocaste-as de ordem, agora aquilo que era a minha poesia não passa de rascunhos.
Sei que não vais voltar… Não voltes… Eu sei que me estou a repetir, estou a conformar-me em relação a ti, é que é uma vida de loucos para quem não se conforma e não quero enlouquecer por ti.
Este foi o meu último suspiro em relação a ti, fiquei sem força, fiquei sem fôlego
Tic-Toc, Tic-Toc, Tiiiiic-tooooc, consegues ouvir? Não? É normal, o meu relógio ficou sem a pilha que gasta por ti.

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