Escrevo-te...antes que o Alzheimer me apanhe!

 

Escrevo-te...antes que o Alzheimer me apanhe!

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Escrevo-te...antes que o Alzheimer me apanhe!

Caminhei pelo mesmo trilho que tu, fui à tua a casa sem o saber…adivinhei o som das crianças a descer as escadas, o riso do extravagante do teu marido em sintonia com que divisão seria, imaginei exatamente o lugar dos móveis que tateei na infância, sem então aperceber-me da importância das marcas no carvalho e das manchas no mármore.

Ago...ra já tudo compreendo, não precisam de contar-me. Imagino-te a acordar à noite, sem luz, exceto o reflexo da lua numa janela desconhecida, a aflição de acordar num sítio estranho, vazio de sentimentos mas empilhado de gente…uns pobres coitados, como nós, afinal! Ainda com algum desequilíbrio, caminhastes pelos corredores, confusa, desorientada, lembraste-te do teu menino, naquele momento de lucidez, e viste-os de novo a imobilizarem-te de seringa na mão, e enquanto tentavas soltar-te vias a PIDE a torturar o teu marido, unha por unha, em privação de sono, a luz desaparecer como quando o arrastavam para o buraco de isolamento, tecnicamente designado por solitária.

Encontramo-nos, não nas memórias, mas no amor pelos meninos, no riso e no esforço de pôr comida na mesa. Calculo que não tenha o que imaginaste para mim, a vida dá voltas como tu bem sabes, caminhamos para outra ditadura. o teu. Senti aquele amargo na tua alma, as lágrimas que já não te caiam, a pesar nos teus olhos cansados. Encostei-me à parede, sem saber

Ah, o teu irmão perdeu-se vezes sem conta junto dos seus e em casa, mas sempre que tinha um momento de lucidez lá estava a menina dele, deixou-se sucumbir à morte quando ela partiu, havia ali amor incompreensível aos de fora, pensei que irias gostar de saber.

Falamos mais tarde. Beijo.

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Escrevo-te

Definistes com maestria momentos pelos quais tememos passar. É a triste realidade que poucos conseguem evitar, Abraços

Débora Benvenuti

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