Os deuses dos sonhos pegaram-lhe pelos braços. As divinas criaturas em preto e branco revolveram-se em torno do seu corpo inerte, levitando-o pelas horas do sono disforme até o deixarem a repousar, deitado no leito formado por uma cova na terra macia e coberto por uma negra e plana pedra de xisto.
Aconchegado pelas larvas, minhocas e embalado nas melodias das bactérias e microrganismos, embrenhou-se na calma e dos seus olhos brotaram lágrimas de seiva acompanhando o decorrer abstracto do seu sonho.
Nele, o mundo era tal como os deuses, sem cor; o céu, o chão, a água, as árvores, mas não as casas. Essas cresciam nas trombas dos elefantes lilás, embelezados com arabescos azul-marinho. Os seus pés eram blocos de cimento. Presumiu que assim era para não caírem ao mar. As casas, ao contrário dos gigantes animais onde estas se erigiam, eram todas iguais, independentemente do paquiderme. As paredes eram em amarelo-torrado, os algerozes eram serpentinas, as janelas, escotilhas de submarino, os tectos em colmo muito escuro e as chaminés, uns longos e curvos cachimbos.
O comboio que zumbia pela colina era composto pelas suas carruagens que não eram mais que trutas atreladas, puxadas por um gato branco. Se alguém realmente viajava dentro de tal transporte, não conseguiu discernir.
As pessoas tinham os olhos redondos no topo da testa e caminhavam como quadrupedes com quatro braços muito curtos e com as palmas das mãos no chão, voltadas para fora. A sua pele era cor-de-rosa, tinham fartos bigodes independentemente do género. Por alguma razão usavam relógios grandes como os de palhaço em todos os pulsos. Das suas orelhas espreitavam de vez em quando minúsculos hamsters vermelhos, naquilo que classificava como uma provável relação simbiótica. As fêmeas distinguiam-se pelos seios nas costas, dispostas como bossas de camelo entre as quais transportavam os seus bebes que estranhamente tinham aspecto normal.
Por todo o lado podia ouvir-se música a ecoar indefinidamente. Era sempre a mesma. Uma velha e conhecida banda sonora de um filme antigo que não conseguia identificar. Perguntou a uma tulipa que por ele passou qual a razão de assim ser e esta encolhendo o caule, respondeu-lhe que era para manter a ordem. Um despertador antigo passou por eles a grande velocidade gritando – tocando – de modo ensurdecedor, levando a planta a exclamar: Oh não! Mais um incêndio na plantação de charutos.
Levantou o olhar para o horizonte onde podia ver-se o fumo desenrolando-se a partir das monótonas chamas vermelho escarlate. Distraído, não se deu conta de estar na berma do mundo, deu um passo em falso e caiu da sua aresta durante um interminável segundo até acordar como de um qualquer semelhante sonho, em sobressalto, puxando para baixo a gigante pedra negra, fazendo-a deslizar sobre si como um lençol de tecido baço, destapando-o.
Encostado a uma árvore estava um dos deuses dos sonhos a quem perguntou a razão de tudo aquilo, ao que este respondeu: Eu sou o inquisidor de sonhos. Faço as perguntas sobre os sonhos que cada individuo quer viver. As repostas são depois introduzidas sequencialmente nesta árvore e se forem validadas tudo decorre sem problemas, mas se erra uma vez…
Se erra uma vez? Perguntou exibindo um ar confundido. Em resposta, o deus franziu o sobrolho e inesperadamente deu-lhe um pontapé fazendo-o cair até ao patamar dos sonhos banais e despertar com o coração aos tombos dentro do peito e o olhar a saltitar no limbo entre a realidade e a imaginação.
As larvas, apercebendo-se, recolhem-se para debaixo da almofada e começam a costurar a noite seguinte por entre os dentes e moedas por lá deixados.
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