Era uma vez um cara que fumou dos dezenove aos trinta anos. Voltando a fumar uns dez anos depois, as vésperas da morte de sua mãe, que passara quase toda à vida sem que lhe tirassem o fumo.
O que partilho contigo vem do tempo derradeiro em que Zémané não fumou. Este momento guarda a experiência daquele que, indo, ele, buscar onde tivesse o charuto Pimentel para sua progenitora, é o período de vivência em que o fumo mais marcou a vida de Zémané. E se não foi “ nem uma nem duas ” às vezes em que cheirando a mão, cheirava fumo, não foi “ nem uma nem duas ” às vezes em que botou uma pontinha do fumo na boca.
Com a morte de seu pai, Zémané passa a ser responsável por sua mãe. De cumplice passa a herdeiro de uma responsabilidade, nunca antes pensada, de que não deixasse faltar o prazer da mãe, o fumo.
Com a “ bolsa pensão da mãe ” e o compromisso de lhe garantir o vício, Zémané segue profetizando em compromisso e doação da liberdade, insurgindo contra os bons costumes e a moral cristã capitalista. Provoca a inveja e o ciúme. Muitos o odeiam... quando cria seu primeiro Testemunho:
Santa erva milagreira
Que do fértil solo brotou
Doas ao mundo uma flor
Crias ao homem uma dor
Pois nada aqui é só deus
Existem também os ateus
Que cultuam outras flores
Num mercado de valores
Neste mundo do mais forte
Os que cultivam outra fé
Das leis do poder dão no pé
Aqui, num mundo à parte
Vingam no plantio da flor
Sensibilidade à flor
Zémané estava na arrogância, quando de repente...
Uma seta sem sentidos
Foi ferida mortalmente!
O fogo...
...a luz.
Um testemunho inconsciente, incoerente, inconsequente...
_sangrando,
...uma concha a se mover no sentido de molhar o barro.
A criação, esquecida do fogo
Como do conforto de um útero
Sangrando para o pó
Sem dó...
...só.
Zémané, de uma cena para outra, se dá com outro cenário: separação, desemprego e a doença. Encarando o trágico, ele desce aos Infernos. Sem ficar devendo nada ao poeta helênico, Zémané vai ao encontro com a mãe num asilo. Num asilo! Onde, pra completar a desgraça (contemplando o estilo), arrancam o fumo de sua mãe.
Lá...:
_Meu filho!? E, segurando com força, e de forma trêmula, depois de um movimento lento de braço, a mãe lhe fala com voz arrastada _Não me deixe faltar meu fumo, meu filho!
Para a infelicidade de Zémané, o silêncio que se fizera, não se tornara eterno !...
_ Tá me ouvindo !?...
O aperto no braço produziu uma onda de frio, e que envolveu todo o seu corpo. As pernas quase lhe faltaram. Olhos encheram de lágrimas. Uma sensação de mal estar se apresenta como arauto, e lhe zonzeia seus sentidos.
Surtado, surtante! ...o medo é constante.
Zémané passa a andar às quedas, escorregando na lama da chinela, criada pelo suor transbordante junto à poeira dos pés.
Surtante, surtado! ...um ser transtornado.
Perdido no tempo, Zémané ouve vozes: _um merda!, _sem norte! Escorrega na chinela, aqui e ali, vultos e lamas. Vê suor, ouve vozes: _sem prumo!, _sem rumo! A poeira, o suor, a chinela. A lama ouve: _um incapaz!, _um irresponsável! Perdendo-se das contas e das quedas, do suor dos vultos, da lama das imagens. Ouve chinelos, vultos escorregam. O suor : _um incompetente!, _um monstro! As vozes, as imagens, os sustos, os medos: _um sem deus!... _um sem alma!
A chinela, evitando a poeira e esquecendo a lama, foi parando às quedas e o suor foi apagando os vultos e as imagens.
Tendo vivido perdido entre tantos e, só se encontrando só, entre todos.
Até que o gosto pelo sol urgiu duma esperança nascida dentre flores e espinhos onde outrora se escondera de deus. Em luz, estando sujeito à semelhança como criador, tudo se fazia às escuras, num ritual de dor e adoração à flor que hora germinara. E se dele brotou o fruto, dele também se alimentou, obrando uma imagem grávida de sentidos.
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