Ele parou, como que fixado num ponto que apenas para si fazia sentido. Ali ficou durante uns quantos minutos. Depois andou. Caminhou. Correu. Fugiu. Foi em busca de algo que apenas a ele lhe pertencia e que lhe fazia tamanha falta que era já incontrolável e demasiado dolorosa para continuar parado, sem correr atrás daquilo que perdeu. Lá foi ele e juntamente consigo levou toda uma parte de mim, toda uma parte de ti, toda uma parte deste e toda uma parte desta. Deu por si e já nada havia à sua volta, somente um vazio repleto de nada e já era demasiado tarde para voltar atrás. Estava entre um e outro mundo, não tendo, contudo, outra escolha que não seguir em frente, que não continuar a fugir daquilo que queria deixar para trás, daquilo que, naquele momento, ele perdeu, esquecendo-se que era a única coisa que ainda era realmente sua: nós. Com a perceção desta perda, os passos abrandaram, já não corria desesperadamente à procura de um abrigo: caminhava, lentamente, sem saber o que o esperava, sabendo apenas que jamais poderia voltar atrás e que perdera, novamente, porém desta vez, por sua escolha. Desvario ou não, foi o que fez. A escuridão aproximava-se a cada passo que dava, a luz escasseava, estava perto do fim, sabia-o. Já não havia o barulho das respirações humanas, dos passos humanos que, inicialmente, passavam por ele e pareciam nem existir. Agora, sozinho, no silêncio, na escuridão, sentiu saudade de ouvir os passos dos outros; ainda pior: sentiu saudades dos outros, da sua existência.
Estava perdido, naquele momento sim, havia se perdido a si próprio. Na luz diurna, sentia-se perdido. Era mentira. Agora sim, estava verdadeiramente perdido. Sem nada, sem ninguém.
Procurou falar, mas a voz não lhe saiu. ‘’Para quê falar se não há ninguém que me vá ouvir?’’, perguntou-se a si próprio em pensamento. Olhava em redor, desejando fervorosamente ver algo, porém, nada viu. Parou de caminhar e estendeu os braços, mas nada sentiu. A sua respiração estava cada vez mais irregular, mais lenta, assustando-o ainda mais. Não podia avançar mais, não podia recuar, então, sentou-se. Havia chão, claro, por onde tinha vindo a caminhar desde o início. Mas nada para além disso. Pôs as suas mãos no chão, ajoelhando-se, e sentiu uma superfície que jamais as suas mãos haviam tocado, parecia demasiado frágil, que a qualquer momento poderia partir-se ou, simplesmente, desaparecer. Fechou os olhos com força, durante uns segundos e depois abriu-os: nada, o preto continuava a invadir o espaço onde se encontrava, fosse este qual fosse. E tentou novamente. E novamente. E novamente. Sempre com o mesmo resultado, contudo. As mãos tremiam-lhe, sentia-se a chorar, mas o seu rosto não estava húmido, nem havia qualquer movimento neste, mesmo quando julgava estar a gritar. Cego, mudo, surdo, já estava. Tentou tocar o chão que há poucos segundos havia tocado, mas nada sentiu. As mãos pararam de lhe tremer, a respiração parou, os olhos fecharam-se quase que automaticamente, deitou-se num chão que nem sabia se existia e deixou-se ir, para onde quer que fosse suposto ele ir. E cegou. Mas desta vez, para o mundo.
Onde chegou ele? Jamais se saberá. Sabe-se apenas o que deixou nos corações daqueles onde ele pertencia e sempre pertencerá. Sabe-se apenas que foi. E que não voltará. Sabe-se apenas que, num momento, ele quis de facto ir. Sabe-se ainda que cegou e que nos deixou cegos. Tais saberes não nos encheram de conhecimento; roubaram-no. Tais saberes não facilitaram a procura; enterraram-na. Tais saberes não proporcionaram mais esperança; mataram-na.
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