A Arte do Desassossego
Nesta arte amargue iniciei a contagem das palavras para eternizar cada som de um alfabeto de letras que as compõem, escolhia ser tosco na abordagem que advém do sentir, para que não lembrasse que sem elas a estupidez dos dias seria o meu colapso mental. Mas o efeito das palavras apagam o amargue, e estende o desassossego em labaredas de afeição e medos, preenchidos com roubo de identidade, mas no acre, adocicados com letras cerebrais atentas e egocêntricas. Por tal há quem chame à escrita, “a arte do desassossego”.
Fala-se ou pensa-se por aí que escrever é tarefa fácil, não quero contrariar ninguém, por isso, se o sabe fazer faça-o, escreva sobre nós e os outros, sobre a terra e o mar, sobre o bem e o mal, mas por favor escreva aquilo que a sua mente lhe crava nos dedos, aquilo que a sua mente lhe confisca, escreva e desabafe sobre as maleitas e sobre as euforias, use as personagens que quereria anular e faça delete, levante os corpos do seu arrasto e dê-lhes vida, escreva sobre o que vê e também sobre aquilo que imagina ver, use aquilo que sente ou que sentiria na pele de outros, para que a sua linguagem escrita leve o leitor a desenhar rostos e a imaginar locais, a viver sentimentos cruzados e mais ainda, para que o leitor mantenha uma espécie de adrenalina e caminhe sobre as suas palavras como se estivesse numa corda bamba e sobre brasas, num pantanal de areias movediças, até mesmo num cadafalso de intrigas, ao lado daquela personagem que sem querer abraçou e recolheu ao interior de si.
Escreva e colha cada pedacinho daquilo que alguém destrutivamente ou construtivamente criticou, junte-os e debruce-se sobre eles e então veja o que resta de tudo aquilo que carimbou em páginas a fio. Se o resultado for negativo, recomece, mesmo sabendo que tem pela frente uma nova etapa para ultrapassar, a dita etapa da negatividade, mas se o resultado for positivo, não entre em folias porque os ponteiros de um relógio chamado tempo avançam, dispa-se da vida nos olhos de ontem e avance na incógnita do amanhã, continue a escrever com alma, porque aqui ninguém tolera repetições, muito menos imitações, seja avarento e não conte a quem quer que seja do meio o que pretende publicar, para que não apareçam covers (cópias) que se assemelham na duplicidade que deveria ser só de um, só seu. Mesmo na sua originalidade não tenha receio de assumir algumas influências, será sempre saudável reconhece-lo.
Se depois de tudo isto se achar capaz de continuar a dizer que escrever é tarefa fácil, digo-lhe que, ou é um daqueles crânios maluco mas genial ou então não percebe nada do conceito da escrita, porque mesmo para aqueles que dominam esta linguagem, não falo de mim que não é o caso, afirmam que escrever é uma das mais árduas tarefas e uma das menos acreditadas para o sucesso garantido, enquanto uma música se ouve e se gosta ou não, uma tela de cinema se vê nos enredos das pipocas e se aprova ou não, os escritos, como os textos, os contos, a poesia, os livros, é preciso que alguém trinche lentamente para que o sabor do seu néctar perfume as essências daqueles que têm a coragem de queimar as pestanas e transmitam aos outros a linguagem de uma profecia anunciada algures nos sonhos do seu autor.
Se leu esta página, se pertence ao clube das “entrelinhas assimétricas”, se está por aí perdido entre as papeladas que vai escrevendo para uma gaveta fechada, criticando na surdina aqueles que tomaram a dianteira, achando-se superior, fingindo e afirmando que publicar, nunca! Deixe de ser falso, invejoso, e modesto, porque falsidade é patranha ou mentira, inveja é um bicho muito feio que nos corrói e modéstia a mais é vaidade… assim sendo e cá para nós, que ninguém nos ouve…todos que escrevemos algo, que achamos que está para lá de mediano, talvez nem que seja uns pozinhos acima, sonhamos um dia publicar. Ganhe coragem e faça-o, mas não pense que é o melhor, ou o maior, faça-o passo a passo, nem que uma vida não chegue para mostrar o seu talento ao mundo. Publique a existência variada das assimetrias multifacetadas que os seus inúmeros sentidos acostam em cada porto de vida apaladada de sabores refinados. Publique…
Jorge Vieira Cardoso
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