O amor comanda o mundo e, se paixões houve que foram destruídoras, outras deixaram-nos em contrapartida maravilhas que testemunham da sublime grandeza dos sentimentos que as inspiraram. A história de amor de Al-Mu’tamid e Itimad encontrou a sua essência na poesia e faz todo o sentido inseri-la no contexto deste portal.
Conhecido como o rei-poeta, Al-Mu’tamid é considerado – com justiça – um dos maiores poetas do Gharb-Al-Andalus e, tanto quanto é do meu conhecimento, o único a ter os seus poemas na obra de renome mundial “As Mil e Uma Noites”. O período em que viveu, apesar de constituir a época mais fecunda da produção artística do Al-Gharb, sobretudo no campo da poesia, correspondeu ao início da decomposição política do Al-Andalus e abriu caminho à vitória cristã.
Al-Mu’tamid nasceu no ano de 1040 em Beja onde passou a sua infância. Era filho de Abbad Al-Mu’tadid, rei da taifa de Sevilha e homem extremamente autoritário e ambicioso que, conquistando os vários reinos seus vizinhos, acaba por criar o mais poderoso reino de taifa do Al-Andalus, o chamado Reino Abádida, que se estendia desde o Sul de Portugal até ao estreito de Gibraltar. A conquista de Silves é aquela que maiores dificuldades lhe irá trazer, já que só é concretizada após mais de 10 anos de guerra. Al-Mu’tamid participa com o pai nas várias campanhas contra Silves, ficando no seu governo a partir do ano de 1063. E, como poeticamente podemos mencionar, “o seu espírito habita os jardins de Silves”, a cidade celebrizada pelo seu esplendoroso Palácio das Varandas – Al-Qassr Ax-Xarajib – de que não resta actualmente senão a recordação. No fim da sua vida, mesmo longe, no exílio, Al-Mu’tamid não esqueceu Silves e dela conservou ternas recordações no seu poema “Evocação de Silves”.
Um dia em que Al-Mu’tamid passeava com o seu amigo Ibn Ammar pelas margens do rio Guadiana, encantado com a beleza que os seus olhos contemplavam improvisou um poema que começava com os seguintes versos
A brisa transforma o rio
numa cota de malha...
e, como era costume, pediu ao amigo que continuasse o poema, mas antes que Ibn Ammar tivesse tido tempo de pronunciar quaisquer palavras, uma voz feminina completou com rapidez e eloquência os versos de Al-Mu’tamid:
Não se encontra melhor cota
quando o frio o rio coalha.
Al-Mu’tamid voltou-se, surpreendido, e logo ficou fascinado pela bela moça que seguia descalça ao ritmo do burro que a acompanhava. Ordenou a Ibn Ammar que fosse atrás dela para ver onde ela morava e que depois a trouxesse ao palácio.
Ibn Ammar cumpriu as ordens do amigo e descobriu que a bela desconhecida se chamava Itimad, mas tinha a alcunha de Romaíquia por ser escrava de um feirante de Triana de nome Romaíque. Ibn Ammar negociou com Romaíque a compra de Itimad e levou-a depois para o palácio. Al-Mu’tamid e Itimad logo se apaixonaram um pelo outro, num amor desmedido, romântico e de tal modo avassalador que, apesar da religião o permitir, Al-Mu’tamid nunca teve outra esposa senão Itimad. Unia-os também o amor pela poesia e pelas letras.
Mas, como tantas vezes acontece, o bem nem sempre dura e o fim do reinado de Al-Mu’tamid trouxe grande infortúnio aos dois esposos. Para tentar travar a expansão cristã na Península Ibérica conduzida por Afonso VI de Leão, Al-Mu’tamid pediu ajuda aos Almorávidas, mas o emir Yusuf tinha outras ambições além de combater os cristãos e apoderou-se do governo do Al Andalus, de que Al-Mu’tamid se tornara rei após a morte de seu pai. Al-Mu’tamid e Itimad foram então desterrados para Agmat, perto de Marraqueche, onde viveram na maior pobreza mas iluminados pela chama do amor que sempre os uniu e cuja memória sobreviveu ao passar dos séculos. Esta paixão eterna traduziu-se em versos inspirados que os dois esposos dirigiam um ao outro, porém um único poema de Itimad chegou aos dias de hoje.
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