O problema aqui não é medo. O medo não faz mal a ninguém e que eu saiba, mesmo que não saiba muitas coisas, as maiores façanhas tiveram sempre uma pitada dele. O problema aqui, acho eu, tem origem em coisas bem mais graves que o medo. Ontem vi um careca agarrado a uma cega e fiquei com inveja deles. Quão bom deve ser segurar nos braços quem se ama sem reservas, de perto, sem tempo, sem pressa e acima de tudo sem... Sem medo? Afinal o problema é mesmo o medo. Medo de não abraçar mais, de não abraçar como o careca abraçou a cega em plena praça da Batalha, apertando as mãos nos ombros dela e escondendo-lhe o rosto entre o queixo e o ombro direito. Uma ou duas velhas pararam escandalizadas, observando a demonstração de afecto em público. Que vergonha, onde já se viu amar alguém na rua? Tenho medo de não amar com um abraço e um beijo no meio da praça. Tenho medo de não escandalizar velhas que se esqueceram de colocar "amor" na lista de compras por já não necessitarem dele. Um dia compro um caderno com plástico no interior (como os dos selos) e colecciono lá a cega, o careca e as velhas escandalizadas. O medo ficaria sozinho na praça enquanto a cega guia o careca e as velhas se benzem em direcção à missa.
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