Português
O regressO
O regresso
Chovia sem cessar quando parti do mosteiro de Dulan, cerca das 23 horas, no carro da polícia, devidamente identificado e com matrícula, acompanhavam-me a tradutora e um jovem polícia fardado com afinco, ainda se notavam os vincos da goma na farda cinzenta.
Encetei uma conversa casual com a tradutora, esta fingiu-se pretensamente indisposta, talvez para não dar azo a más interpretações da autoridade que nos acompanhava ou por não querer falar com desconhecidos, remetendo-se ao silêncio...
O hotel em Wulan, onde obrigatoriamente dormiria essa noite tresandava a novo e parecia de outra dimensão, sofás imaculadamente brancos de nunca usados, assim como o quarto jamais utilizado, perfeitamente intacto, assim era o Inglês para o pessoal do hotel dito “turístico”.
Pediram através da tradutora o meu passaporte e o equivalente a trinta e cinco euros, pagos antecipadamente, mais uma caução do mesmo montante a qual recusei pagar, afinal era quase todo o dinheiro que tinha retirado da caixa automática, com a ajuda dos primeiros agentes de segurança, pagava caução onde era forçado a ser hospede, a rececionista olhou para o delegado da autoridade e bastou um leve aceno de cabeça afirmativo do jovem polícia para esta ignorar o absurdo deposito, ficando apenas com o salvo-conduto.
O quarto com duas camas imensas almofadadas na cabeceira em vermelho Maoísta e toda a decoração do quarto lembrava um decadente bordel.
Sentia-me perdido nos confins da China e não ousei implorar que ligassem a água quente, teimava em assomar na torneira uma gota de água, insuficiente mesmo para uma lavagem de gato.
Abri devagar uma fresta da porta para confirmar o que supunha, a subtil presença do guarda sentado num dos sofá brancos do átrio, o quarto posicionava-se num corredor de fácil observação para o “hall”, sem outra saída que não fosse rente à minha previdente escolta, a qual achou por bem instalar-me de manhã cedo no lugar “VIP” do velho autocarro, atrás do motorista e após uma curta troca de palavras com a revisora.
Paradoxalmente sentia-me aliviado perante a incógnita que representava a travessia do deserto do Taklamagan, por um lado desejava atravessá-lo mas por outro receava-o sem ser capaz por “leitmotif” de desistir
De regresso a Huangyuan, cidade que tinha visitado dias antes, comodamente sentado no autocarro avistei por uma última vez o suposto “Mosteiro de Dulan,” mirei os gestos e rostos dos passageiros e vi que nenhum descobrira a cabeça ou balbuciara os "Mantras" como estava habituado a presenciar em passagem por outros locais sagrados, admirei-me desta atitude por parte dum povo tão devoto ao Budismo tradicional.
Encontrava-me perto da fronteira Norte do Tibete, no altiplano de feição Gelugpa, (tradicionalmente conhecidos por chapéus amarelos) próximo das comunidades muçulmanas “autónomas “de Uygur’s, do ancestral Turquestão Oriental, dos focos de rebelião, dos separatismos e da “Primavera Árabe (à chinesa) ”, à qual a “Grande Muralha” não escapava, ainda que as notícias não transgredissem o "Status Quo" imposto pela asfixiante ditadura, que aos olhos dos governos ocidentais parecia mais cor-de-rosa do que encarnado vivo, mais capitalista; a prática USA já conseguia vender hamburgers e Starbucks de Beijing a Shangai.
Em HuangYuan resolvi mudar de transporte e usar o comboio, foi uma tarefa espinhosa numa cidade em obras, como quase todas na China, não me conseguia fazer entender imitando os sons do comboio típico, o qual esta China montanhosa nunca conhecera, passaram a época do fabuloso furgão “Tch-Tch-U-uuuuu-pouca-terra-pouca-terra” para as locomotivas elétricas e modernas, consegui finalmente que um taxista entendesse a minha linguagem gestual e colocasse a bicicleta, meio dentro, meio fora do porta bagagens, no minúsculo táxi amarelo.
Voltei ao mesmo dilema na caixa do banco, esta não aceitava os meus quatro dígitos, no interior da instituição financeira não cambiavam Dólares ou Euros e era difícil mesmo mostrando o referido cartão, fazer entender uma pretensão tão simples como era encontrar o “bank of China” a palavra Bank não funcionava e China também não.
Os Yuans eram em quantia suficiente para comprar o bilhete de comboio para regressar a Xi’an e a incerteza financeira e logística aumentava não tinha forma de regressar , o meu retorno era pela antiga Republica Russa do Quirguistão, cada dia mais e mais distante,
Dentro, a grande gare estava repleta de militares que iam e vinham do Tibete, era o centro das atenções, uma jovem próximo demonstrou por sinais que iria na mesma carruagem e na mesma direção, como tal fiquei descansado.
Surgiu o meu perpétuo acompanhante, aquele que me havia agraciado com um crachá na camisola suja, havia duas semanas, tinha sempre aparecido como“do ar”, junto ao Quinghai Lake e na vila de Heimaha Exiang, onde me interpelou, de novo agora, na gare, mostrou-se ainda mais amigável, abraçou-me entusiasticamente e perguntou (pareceu fingir não saber) -porque estava regressando a Beijin, expliquei-lhe apesar de desnecessário, vi fechar-se-lhe o rosto assim que me referi à hostilidade das autoridades, demonstrava que não lhe interessavam as minhas desventuras.
Entretanto aproximou-se um sujeito magro, com cerca da mesma idade, afirmou pertencer à “Geographic Society of China”, mostrou-me uma identificação qualquer, logicamente escrita em Chinês e pareceu interessado na minha viagem, tirámos uma foto de grupo, pediu amavelmente para observar no meu Visa se haveria limitações de acesso a Xinjiang ou a qualquer outra província da China, disse não ver nenhuma.
Ultrapassado o tempo previsto para embarcar, perguntei apontando o relógio, à moça que anteriormente tinha afiançado ir na mesma direção, mostrei-lhe o bilhete, esta pediu-me desculpa e mostrou-se pesarosa pois tinha-me induzido em erro e eu havia perdido o comboio.
Por instantes entrei em pânico, sem dinheiro, nem para comer e sem transporte afigurava-se o pior, felizmente trocaram o acesso na estação tendo efetuado a viagem de quase 20 horas de regresso a Xi’an, sem qualquer alimento.
Nesta ultima cidade aumentava mais a minha angústia na dúvida de conseguir regressar, os muros não mais me pareciam históricos e belos, a cidade transfigurara-se numa prisão…
(continua)
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Chovia sem cessar quando parti do mosteiro de Dulan, cerca das 23 horas, no carro da polícia, devidamente identificado e com matrícula, acompanhavam-me a tradutora e um jovem polícia fardado com afinco, ainda se notavam os vincos da goma na farda cinzenta.
Encetei uma conversa casual com a tradutora, esta fingiu-se pretensamente indisposta, talvez para não dar azo a más interpretações da autoridade que nos acompanhava ou por não querer falar com desconhecidos, remetendo-se ao silêncio...
O hotel em Wulan, onde obrigatoriamente dormiria essa noite tresandava a novo e parecia de outra dimensão, sofás imaculadamente brancos de nunca usados, assim como o quarto jamais utilizado, perfeitamente intacto, assim era o Inglês para o pessoal do hotel dito “turístico”.
Pediram através da tradutora o meu passaporte e o equivalente a trinta e cinco euros, pagos antecipadamente, mais uma caução do mesmo montante a qual recusei pagar, afinal era quase todo o dinheiro que tinha retirado da caixa automática, com a ajuda dos primeiros agentes de segurança, pagava caução onde era forçado a ser hospede, a rececionista olhou para o delegado da autoridade e bastou um leve aceno de cabeça afirmativo do jovem polícia para esta ignorar o absurdo deposito, ficando apenas com o salvo-conduto.
O quarto com duas camas imensas almofadadas na cabeceira em vermelho Maoísta e toda a decoração do quarto lembrava um decadente bordel.
Sentia-me perdido nos confins da China e não ousei implorar que ligassem a água quente, teimava em assomar na torneira uma gota de água, insuficiente mesmo para uma lavagem de gato.
Abri devagar uma fresta da porta para confirmar o que supunha, a subtil presença do guarda sentado num dos sofá brancos do átrio, o quarto posicionava-se num corredor de fácil observação para o “hall”, sem outra saída que não fosse rente à minha previdente escolta, a qual achou por bem instalar-me de manhã cedo no lugar “VIP” do velho autocarro, atrás do motorista e após uma curta troca de palavras com a revisora.
Paradoxalmente sentia-me aliviado perante a incógnita que representava a travessia do deserto do Taklamagan, por um lado desejava atravessá-lo mas por outro receava-o sem ser capaz por “leitmotif” de desistir
De regresso a Huangyuan, cidade que tinha visitado dias antes, comodamente sentado no autocarro avistei por uma última vez o suposto “Mosteiro de Dulan,” mirei os gestos e rostos dos passageiros e vi que nenhum descobrira a cabeça ou balbuciara os "Mantras" como estava habituado a presenciar em passagem por outros locais sagrados, admirei-me desta atitude por parte dum povo tão devoto ao Budismo tradicional.
Encontrava-me perto da fronteira Norte do Tibete, no altiplano de feição Gelugpa, (tradicionalmente conhecidos por chapéus amarelos) próximo das comunidades muçulmanas “autónomas “de Uygur’s, do ancestral Turquestão Oriental, dos focos de rebelião, dos separatismos e da “Primavera Árabe (à chinesa) ”, à qual a “Grande Muralha” não escapava, ainda que as notícias não transgredissem o "Status Quo" imposto pela asfixiante ditadura, que aos olhos dos governos ocidentais parecia mais cor-de-rosa do que encarnado vivo, mais capitalista; a prática USA já conseguia vender hamburgers e Starbucks de Beijing a Shangai.
Em HuangYuan resolvi mudar de transporte e usar o comboio, foi uma tarefa espinhosa numa cidade em obras, como quase todas na China, não me conseguia fazer entender imitando os sons do comboio típico, o qual esta China montanhosa nunca conhecera, passaram a época do fabuloso furgão “Tch-Tch-U-uuuuu-pouca-terra-pouca-terra” para as locomotivas elétricas e modernas, consegui finalmente que um taxista entendesse a minha linguagem gestual e colocasse a bicicleta, meio dentro, meio fora do porta bagagens, no minúsculo táxi amarelo.
Voltei ao mesmo dilema na caixa do banco, esta não aceitava os meus quatro dígitos, no interior da instituição financeira não cambiavam Dólares ou Euros e era difícil mesmo mostrando o referido cartão, fazer entender uma pretensão tão simples como era encontrar o “bank of China” a palavra Bank não funcionava e China também não.
Os Yuans eram em quantia suficiente para comprar o bilhete de comboio para regressar a Xi’an e a incerteza financeira e logística aumentava não tinha forma de regressar , o meu retorno era pela antiga Republica Russa do Quirguistão, cada dia mais e mais distante,
Dentro, a grande gare estava repleta de militares que iam e vinham do Tibete, era o centro das atenções, uma jovem próximo demonstrou por sinais que iria na mesma carruagem e na mesma direção, como tal fiquei descansado.
Surgiu o meu perpétuo acompanhante, aquele que me havia agraciado com um crachá na camisola suja, havia duas semanas, tinha sempre aparecido como“do ar”, junto ao Quinghai Lake e na vila de Heimaha Exiang, onde me interpelou, de novo agora, na gare, mostrou-se ainda mais amigável, abraçou-me entusiasticamente e perguntou (pareceu fingir não saber) -porque estava regressando a Beijin, expliquei-lhe apesar de desnecessário, vi fechar-se-lhe o rosto assim que me referi à hostilidade das autoridades, demonstrava que não lhe interessavam as minhas desventuras.
Entretanto aproximou-se um sujeito magro, com cerca da mesma idade, afirmou pertencer à “Geographic Society of China”, mostrou-me uma identificação qualquer, logicamente escrita em Chinês e pareceu interessado na minha viagem, tirámos uma foto de grupo, pediu amavelmente para observar no meu Visa se haveria limitações de acesso a Xinjiang ou a qualquer outra província da China, disse não ver nenhuma.
Ultrapassado o tempo previsto para embarcar, perguntei apontando o relógio, à moça que anteriormente tinha afiançado ir na mesma direção, mostrei-lhe o bilhete, esta pediu-me desculpa e mostrou-se pesarosa pois tinha-me induzido em erro e eu havia perdido o comboio.
Por instantes entrei em pânico, sem dinheiro, nem para comer e sem transporte afigurava-se o pior, felizmente trocaram o acesso na estação tendo efetuado a viagem de quase 20 horas de regresso a Xi’an, sem qualquer alimento.
Nesta ultima cidade aumentava mais a minha angústia na dúvida de conseguir regressar, os muros não mais me pareciam históricos e belos, a cidade transfigurara-se numa prisão…