Escrevo num guardanapo.
Foi o que encontrei para pousar a caneta roída.
Continuo na mesma. Na miséria física.
Agora, neste momento, só tenho este guardanapo.
Até que sou feliz, assim. Já me habituei.
Acreditem.
Vou vivendo da riqueza dos outros.
Do que esbanjam e deitam para mm.
Como este guardanapo. Vem do Majestic, ilustres.
Imaginem só.
Um papel, de seda certamente, vindo de tão faustoso ambiente,
Onde a talha dourada se sobrepõe ao ébano das teclas do piano.
Eu de dourado, só tenho a urina que cheiro.
Continua o desdém dos ignorantes que passam por aqui.
Mas ainda vou mantendo o que de mais precioso tenho,
O pensamento. O creme de la creme do ser humano.
É verdade, caríssimos, também sei francês.
Não são as roupas que não tenho
Ou os banhos que não tomo
Que me impedem de pensar.
Sim, porque não é preciso ser rico para descobrir a razão.
Não preciso sequer de um tecto.
Enquanto tiver mente
Poderei igualar-me até àqueles que me atiraram um guardanapo.
Sei que não como scones ou croissants de ouro
Mas tenho raciocínio e consciência.
Sei que não bebo chá inglês
Mas venham os senhores com relógios de bolso
Ou as senhoras de chapéus de abas largas
Que ninguém sabe melhor o que é o pensamento
Do que aqui o mísero físico Martim da Ega.
Despeço-me da altura de um adeus de rua
Com a esperança que deixo neste papel, um simples guardanapo.
Branco como a complexidade do meu pensar.
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