Fogos

 

Fogos

Português

e é nas horas em que não estás
que balanço num voo 
que se quebra e se rebenta
entre sombras e sóis
de um dia que não o foi

posso sentir os pés a falharem 
o chão que os devia prender
e o frio que amarra os movimentos
o turbilhão no estômago 
que antece o incerto

e todos os dias dou-te tudo de mim
tudo o que de divino tenho para dar
mostro todas as cartas
todos os truques
sempre a perder-me
nesses teus rumos que não sei tomar

e nesses dias escrevo-te
versos que nunca irás ler
traços que não podes ver
monstros que não sei guardar

e liberto-os no limbo 
das vozes que me atormentam 
e me afligem sem me tocar

liberto essas aves negras
que me pairam e me assombram
quando nas horas sou tão só

e tenho em mim tantos eus
que nem sei que nomes lhes chamar

por vezes, meu bem, queria só
o fogo da tua saudade 
para acender candeias 
e atear fogos 
e ser eu essa mesma chama 
que espanta esses pássaros
que em mim guardo

mas não me dás lume 
para o incendiar
nem lenha que o sustenha

e eu fico
pé ante pé
num fio de um circo
rodeada de aves
que não posso mais soltar

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