Do que eu sofro
Eu sofro da patologia cósmica dos gansos,
Sou como o mundo pois serei
O que sempre fui e sei apenas
Ser, inflexível insubordinado, fulano gasto,
Pardo até no papel em que manso me sinto
Por imposição forçado a ser, ou eu
Mesmo ou um outro, senão o maior, mais básico
Engano entre mim e eu próprio,
Por vezes odeio-me sem ter muita
Consciência disso ou o espírito crítico
De que abdiquei e que me assola, assusta
D’novo como fosse ess’outra alma
Minha, alheia deste mundo, a mola e a bainha,
Embora vivas, fundas obscuras, sem
A definição simples que damos a esta
Vida escalavrada, vivida d’dentro pra fora,
Razoável, de minguas escolhas, migalhas.
Mas tudo isso é um “aparte”, pois no mínimo
Eu sofro de patologia própria, crónica
Tal como o louco que não sabe, supõe
O mal que sofre ao sábado, sendo
Domingo ou então feriado municipal, dia santo
Ou de ramos, convencido d’estar
Calçado, investido de caminhante
E nu, descalço num precipício ou no fio da navalha,
O que eu sofro é um vício manco que
Me causa dissabores nos rins e
Na vesícula me arde, quebro o nariz
Na ressaca porque sim, dor e medo
Fazem parte de quem ainda há em
Mim mas tampouco o relembro, inflexível
Insubordinado, sem cura ou pouca …
Joel Matos (Outubro 2022)
http://joel-matos.blogspot.com
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