do amor negras folhas

 

do amor negras folhas

Português

Espasmo

De a sentir espargida
Agarro num punhado
Infantil de vida
E filtro pelos dedos
As isoladas carências
Dos nossos dias
Nas reticências
Do amanhã,
E sem ter bramado
Decapito os medos
Nas horas fugidias
Do bater do sino,
Longe do pino,
P’la tenra manhã!

 

 

ABRAÇO SUSPENSO

A parca quantia
De luz envergonhada
Que mal nos alumia
É tudo e quase nada.

Mas arrastamos o momento,
Quebramos todo o suspenso:
Nesse abraço nenhum lamento,
Nada parado, tudo intenso.

 

SANA DEMÊNCIA

Conjecturo no copo baço
Se o solto e livre espaço
Onde o tempo me alcança
Fosse por mera coincidência
A luz onde o teu corpo dança,

 

Se seria sano nesta demência
E querer-te assim seria pouco
Que o teu beijo sabe a tango
Em todo o cambiante morango:
Mais um só e fico de novo louco…
 

Carne

Resgata-me!! Atravesso Orco

Que é só deserto teu

Todo o  meu corpo!

E se é pecado o que votas

Troca-me pelas gotas

Do tempo que choveu

E conspurca-me!!
Faz dos deuses manetas,

Dá em mim piruetas

E das ideias soltas

No fogo que em ti arde

Troca ao diabo as voltas,

Faz das curvas rectas,

De mais pecados metas,

E de mim só carne!!!

 

Grãos de Tempo

 

Embarco em silêncios,
Filtro pelos dedos
Pequenos grãos de tempo,
Outrora penedos,
Agora resquícios
De dor, de lamento...

Embarco assaz aflito,
Urge o silêncio da gente
Rasgando as entranhas!!
Atroz veneno pungente …
Como ruído infinito
Em formas estranhas…

 

Engano

Nevralgia assustada do tempo
Gotas de água caindo sobre mim,
E num gesto solitário lamento
Me beijam corporais essências de fim.

E num lusco quase fusco
Vêm os pássaros cantar,
Num tom quase brusco,
Gritando que é amar

A fria solidão ainda vaga
Num meio sereno abraço
Da vontade noctívaga
Por todo o aberto espaço.

 

ASTENIA

Directo na folha branca
Onde se me escapa a tinta,
Onde me foge e me finta
O destino, e me pisa e desanca.

E leve, se anuncia fugidia
A alma, e se me forma impreciso
O corpo ao pensamento que exorcizo
E se alimenta de mim. Carecia?!?

 

QUADRADA

Se em cada quadrada
Quadra se enquadra
O teu quadrado amor por mim
Corto-lhe os cantos.
E se me ponho num canto
cantando o encantado
Cântico num canto
Redondo encanto!
E arredondo o que sinto
E o que sem ti senti
Num quadrado banco aqui sentado!...

 

 

Elogio do Sorriso

Desvio para outro ponto

O olhar no horizonte,

Faço do teu sorriso a ponte

Que atravesso meio tonto:

Se bastasse parar o tempo

Para te sentir alegre sempre

Desafiava Cronos de frente!
E de resto, bem tento!

 

Que entre lábios cantadas palavras

Me encantam constantes

E entre rostos cantantes

São as minhas horas escravas,

 

Que o teu sangue é o meu vinho

E entre olhares pouco discretos

Na mimica felicidade concreta

Sinto a música vir devagarinho…

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