Asas

 

Asas

Português

há em mim uma só constante
a do  desejo de asas
que a luz não me trouxe

queria eu
tomar a rigidez
de outras penas
que não as minhas
por um segundo que fosse
sentir-lhes a suavidade 
e o arrepio 

segurar-me a esse aperto 
que nos consome no segundo 
que antecede a queda livre
o suspender do tempo
e da própria vida
um medo enfrentado 
de cabeça erguida

poder planar sobre o chão
que não me pertence e me reclama
com voz de quem ordena
uma estranha mensagem
que não sei ouvir

ah... fosse eu livre e solta
nos rodopios dos ventos
que seguem a sua própria direcção
como quem só a si pertence
fossem os Homens rajadas
e teria mais certezas
ou mais fé

tivesse eu asas...
e não haveria terra,
gaiola ou mão que me prendesse
ou fosse apenas um céu de tempestade
e seria certamente mais eu

quem sabe 
se bebesse das nuvens
a água dos deuses
seria mais pessoa
ou talvez enganasse sede
que me seca a pele o os sonhos

mas não
deram-me braços em lugar de asas
agrilhoaram-me onde não sei ser
tivessem-me dado barbatanas 
e talvez pudesse nadar

deram-me pernas 
sem eu saber andar
e deram-me mãos
sem eu as saber usar

e agora
agora afogo-me em ar
ou talvez me incendeie 
e apenas sei que o que não faço:
respirar.

dessem-me asas
e eu já não precisava de rumo
ou dessem-me rumo 
e ainda assim precisava de asas

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