Da sua janela, fez chover a água fria de um alguidar que tinha em casa. Muita pontaria não foi necessária pois o "cavaleiro" do cavalo de papel havia, finalmente, aparecido. Desta vez, ela certificou-se de que não teria mais transporte para regressar. Entre as gotas que desfaziam o cavalo e os raios de sol que sobravam de um dia quase terminado, ele sentiu o sabor de um arco-íris de fel. Não conseguia perceber a natureza de tão amarga atitude. Mal ela sabia as horas que ele perdera a decidir que construiria e que, efectivamente, montaria o bendito cavalo. Talvez mais horas a decidir do que a construir. Agora sobram pedaços, moles, desfeitos pela água jorrada. A pergunta que o assolava era só uma - "porquê?". Para ela era bem claro... Todos os pavios da sua paciência de mulher estavam queimados. Ele sabia onde a encontrar e, ainda assim, fez questão de a fazer esperar. Fez questão de a fazer duvidar da sua existência e da vivacidade das suas vontades, enquanto priorizava a comunhão entre outros seres que não ela. Assim considerou, a desgraçada, que se encontrava no direito de lhe tirar algo, quando a ele a tinha privado de tanto. Então e ele? Desistiu? Partiu? Retornou? Não. Ali permaneceu, magoado porém determinado, com o orgulho de homem a fazer faísca por entre os nervos do corpo. Não se percebe, ao certo, a rapidez com que ela desceu. Nada foi dito nesse confronto de olhares, mas ambos gritavam por dentro. O dia não era mais dia e a noite recém-chegada trouxe o frio certo, para que dessem um passo em frente. No meio de orgulhos e paciências gastas, quase em coro se ouviu das duas bocas - "desculpa". 02jun2018
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