A VIDA SÃO DOIS DIAS

 

A VIDA SÃO DOIS DIAS

Português
Fotógrafo: 

A VIDA SÃO DOIS DIAS

 

Raul fora um cirurgião famoso. Porém uma pequena falha dada pelo bisturi – no bloco operatório –, fizera dele um farrapo; o processo-crime que lhe foi posto retirara-lhe toda a possibilidade de continuar a exercer a sua profissão.

Ele nunca tinha aprendido a fazer mais nada; estudara para ser um cirurgião – excelente –, e a sua vida dedicada à medicina e à cirurgia, em particular, nunca lhe tinham permitido voltar-se para qualquer outra área senão aquela.

Solteirão – por opção –, o único “hobby” que possuía era: a fotografia. A sua máquina fotográfica andava sempre com ele, e aproveitava todas as oportunidades para que o “clique” funcionasse, fosse ele virado para o rosto de um mendigo, ou para uma simples paisagem marítima ou outra.

Raul resolveu aproveitar – e bem –, os dias que tinha completamente disponíveis para si, e fazer o que gostava.

À sua mente vinha – com alguma frequência -, o velho ditado: “esta vida são dois dias, e este já vai na conta”, mas perguntava a si próprio, ironicamente: se eram os dias, porque não as noites? Que raio fazia ele nas noites daqueles dois dias? Um cisma que o atormentava, pela incógnita. Ele, que se supunha o maior sapiente em todas as matérias, ficava agora sem resposta.

A psicanálise ajudava. Leu livros sobre o assunto – até à exaustão –, mas nada era conclusivo.

No final de um desses dois dias em que percorrera quilómetros, de um lado para o outro, Raul – já cansado –, regressou a casa, deitou-se mesmo por cima do “edredon”:Que sabes tu do fim?
Se temes que teu mistério seja uma noite, enche-o
de estrelas.
Conserva a ilusão de que teu voo te leva sempre
para o mais alto.
No deslumbramento da ascensão
se pressentires que amanhã estarás mudo
esgota, como um pássaro, as canções que tens
na garganta.
Canta. Canta para conservar a ilusão de festa e
de vitória.
Talvez as canções adormeçam as feras
que esperam devorar o pássaro.
Desde que nasceste não és mais que um voo no tempo.
Rumo do céu?
Que importa a rota.
Voa e canta enquanto resistirem as as adormeceu profundamente. Nesse sono, viajou pelas noites dos dias em que lhe era, ainda, permitido viver: foi jantar ao restaurante mais luxuoso de uma cidade qualquer; foi até a um “cabaret”, que identificou como sendo o Moulin Rouge, em Paris; foi para a cama com a loira mais bonita e sensual que alguma vez tinha visto. Vivenciou naquelas noites, tudo o que tinha desprezado, ao longo de décadas. Como era boa e saudável aquela vida de boémia!

Realidade e sonho misturaram-se; mostraram-lhe a possibilidade de usufruir de prazeres há muito esquecidos e também o que poderia acontecer quando saía nas noites dos dias que lhe restavam para viver. Apenas dois, nada mais que dois!

Viver, viver, viver! Apenas queria viver esquecendo as mágoas, os desdéns por que tinha passado.

Saborear dois dias, aproveitando as noites, indelevelmente, como se fosse a última coisa que fará na vida.

 

NATÁLIA VALE

Que sabes tu do fim? Se temes que teu mistério seja uma noite, enche-o de estrelas. Conserva a ilusão de que teu voo te leva sempre para o mais alto. No deslumbramento da ascensão se pressentires que amanhã estarás mudo esgota, como um pássaro, as canções que tens na garganta. Canta. Canta para conservar a ilusão de festa e de vitória. Talvez as canções adormeçam as feras que esperam devorar o pássaro. Desde que nasceste não és mais que um voo no tempo. Rumo do céu? Que importa a rota. Voa e canta enquanto resistirem as asas.

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A vida são dois dias e este

A vida são dois dias e este já vai na conta!

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