Viajavam sempre juntos

Viajavam sempre juntos. Desde que se conheciam. De famílias proximas e vizinhas, numa pequena aldeia da Beira, subiram ao mesmo autocarro, no passeio organizado pelo Zé do Carmo, rumo às paisagens do Douro. Mas a maior paisagem em que Pedro se perdeu, foi o coração de Inês. O coração, e os olhos, e os ombros, e o pescoço, e as mãos, e todas as curvas e linhas que lhe adivinhava tão mais imensas que o Douro. Esta foi só a primeira viagem. Seguiram-se outras. Paris, Dublin, Roma a Lisboa que Deus inventou numa outra península, Berlim, Amsterdão, Londres em 4 dias e estas foram algumas das viagens que se contam em kilometros. Outras surgiram naturalmente: o primeiro filho. E depois o segundo. E depois o terceiro. E finalmente o quarto. O casamento do primeiro. A morte do segundo. A ausência do terceiro. E a tristeza do quarto. Batizados, casamentos, divórcios, alegrias e amargos, casas e negócios falhos, sonhos grandes insuflados e sonhos pequenos, que milagrosamente se tornaram frutíferos e sumarentos e encheram a vida até ela explodir, prenha de luz e arrebatamento. Assim se encontravam no último grau solar das suas vidas, fartos de dias. Olharam-se, com a ternura de dois viajantes, que sempre foram turistas no mundo, inebriados de tantas memórias e imagens e souberam, da forma mais clara, límpida e simples que outra partida se impunha. Docemente abandonaram-se.Viajavam sempre juntos. Desde que se conheciam.