Para a minha avó.
Não vais receber este papel pelo correio, nem por e-mail, nem de qualquer outra forma convencional! Mas sei que o recebes por um outro meio, que não sei explicar e nunca quis explicar, porque uma das coisas que me faz feliz é acreditar em coisas inexplicáveis… Apercebi-me, há pouco tempo, que são poucas as coisas com explicação que têm algum valor! E as inexplicáveis estão doentes…sofrem de escassez de alguém que nelas acredite! Eu acredito, e tu também acreditas! É graças a ti que acredito! Lembrei-me de quando subia contigo a rua da calçada e me levavas cuidadosamente pela mão, naquelas manhãs de Domingo que nunca mais foram as mesmas! Perderam o encanto que tinham! Agora faço o percurso sozinha, mas sempre contigo no coração! Às vezes vêm pessoas atrás de mim, aquelas que também sentem uma enorme saudade de te ter por cá, e quando se aproximam comentam: “Tens o caminhar da tua avó!” E eu penso: Foi ela que traçou os caminhos comigo no início da caminhada e eu guardei os ensinamentos que agora se refletem no andar. Perder é uma coisa com a qual não sei lidar. E a tua perda é de longe aquela com a qual nunca me hei-de conformar. Porque fazes parte de mim! E vais sempre fazer! Os filhos são aquilo que os pais são com eles e tu foste uma 2ª Mãe! Aliás, não é preciso catalogar-te com o nome de mãe, nem até mesmo de avó, basta dizer que foste TU! E pensar na minha infância sem ti, é pensar numa equação impossível! Agora, já sei o que são equações impossíveis! Quando partiste não sabia! E talvez não soubesse também muito do que aqui escrevo…Nessa altura, até te perder, não entendia muito bem a saudade! Mas agora, seis anos depois de teres partido, a saudade faz cada vez mais sentido. Sei que continuas comigo, que és o meu anjo da guarda, é a ti que dedico todas as minha vitórias e as derrotas que me ensinam a ser alguém melhor e que me tornam mais forte! Lembro-me de ti constantemente. Lembro-me de ti no dia vinte de Janeiro porque estavas sempre a dizer: “A vinte de Janeiro, uma hora por inteiro”. Lembro-me de ti no dia um de Abril porque nunca conheci ninguém que vivesse o dia das mentiras como tu. O Francisco também tem saudades tuas. Tenho saudades do bacalhau assado que fazias na lareira, das cebolas assadas que fazias na lareira: tudo com sabor a carinho, amor e esperança. Eras a pessoa com mais esperança que alguma vez conheci. Tenho saudades das tuas filhoses no Natal e todos nos lembramos delas: “Filhoses, filhoses eram as da tia Anunciação”. Tenho saudades do teu esparregado e do teu arroz de polvo. Tenho saudades dos Domingos contigo. Havia sempre canja e arroz doce. Também fazias o melhor arroz doce. Estavas sempre a sorrir. Preocupavas-te comigo como ninguém. Eras a típica avó que fazia comigo as asneirinhas que a mãe não podia saber. Não imaginas como tenho saudades disso. De te ver à varanda. De estar ao teu colo. De te dizer: “Cheguei, avó”. Lembro-me de te ir visitar à clinica, a Coimbra. Era estranho ver-te naquele estado. Hoje dou-me conta do que a mãe sofreu nesses meses, todavia conseguia chegar sempre a sorrir a casa. Nunca a ajudei com isso. Não sabia o que era ajudar nessa altura, para além de dar apoio a alguém que se estava a levantar do chão depois de uma queda enquanto se jogava às apanhadas. Depois quando estavas a recuperar, arranjamos o teu quarto, compramos mobília. Lembro-me de estar em cima de uma cadeira a limpar as janelas do teu quarto. Sentia-me adulta por estar em cima de uma cadeira. Depois vieste para casa e foi escasso o tempo que cá permaneceste. Naquele dia, ao almoço, estava cá o tio Fernando e a tia Maria, fechaste os olhos enquanto comias a pêra cozida em água de amor que a mãe tinha preparado para ti. Essa é a uma das últimas imagens que tenho tuas. Assustei-me muito! Porque a morte assusta! Mas a mãe e o pai conseguiram sempre minimizar as coisas, e pô-las à nossa medida. O pai é sempre muito calmo, tu sabes! Ouvi-o ao telefone com os bombeiros a dizer que suspeitava que fosse um AVC; quando a chamada terminou perguntei-lhe o que era um AVC e ele explicou-me que era um pequeno problema no cérebro. O pai e a mãe não costumam mentir-nos, mas sabem sempre a melhor forma de explicar as coisas à nossa medida. Nos tempos que se seguiram em Viseu, ainda te fui visitar. Lembro-me de me perguntares, já com alguma dificuldade, como estava a correr o Inglês.
Ainda ando no Inglês, avó!
Ana 2015
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