O dia em que te soube chamar

 

O dia em que te soube chamar

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Era uma noite como as outras todas. A Lua erguia-se alto, escondida por entre as nuvens opacas. Sebastião sentou-se na escrivaninha junto à janela e sob a luz ténue da noite, pegou numa caneta e retirou um bloco de notas vermelho, revestido de tapeçaria oriunda da Turquia. E começou a escrevinhar nele.

Deram-me hoje um livro diferente dos demais. Nada contém senão letras que nada me revelam, confidências entreabertas que pertencem ao palpável silêncio de um passado que não se anuncia em mim, histórias redigidas em linhas desfeitas que não pertecem à minha mente, faleceram os termos profetizados antes mesmo de serem palavras. Tal como o tempo que se move à frente dos predicados, assim estou eu, sujeito feito cativo por palavras de que não me recordo.

Este livro é-me familiar, mas não sei porquê.

E logo hoje, num dia erradamente bom.

Faz hoje 62 anos desde o dia em que te soube chamar.

De repente, Pedro entrou no quarto do avô enquanto o via a escrever.

- Avô?

O neto encarava-o agora, olhando-o através daquela face repleta de rugas, caminhos de vida trilhados na alegria, no amor, na angústia. Abraçou-o, colocando os seus braços à volta da cintura de Sebastião, e encostou a cabeça ao seu peito. Sabia que o seu avô se sentia feliz naquele momento. E aí soube. Afinal, era um momento cada vez mais raro de lucidez do seu avô, que sofria da Doença de Alzheimer. 

 

 

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