Deste-me a mão, no pequeno-almoço, e falaste-me do amor, da plenitude, do arrependimento e de sonhos. Disseste que o tempo estava do nosso lado e que tudo farias por nós, ainda antes de eu bocejar. Sorriste mas parecias, ao mesmo tempo, inquieto. Não precisas de dizer-me coisas bonitas só porque não estou bem, não tenho expetativas desmedidas nem sonhos hipotecados. Viver, tal como havias sugerido, não é assim tão mau. Tinhas tanto medo desses sonhos, lembras-te? Não os espero e não vou pedir-tos sorrateiramente, portanto, sossega. Foge-te o sorriso, pareces triste. Dizes que agora, afinal, precisas de sonhos. Precisas de saber que isto tudo não é em vão – alguma vez o foi? Fico confusa. Oiço-te sem te escutar, olho-te sem nos sentir. Não te entendo. Vejo medo nos teus gestos. Não consegues ler-me a alma, desde que me perdi em mim própria, mas sentes a minha distância. Tens medo, eu sei, reconheço esse patamar, mas não consigo sacudir-te daí para fora. Não sei onde estou. Não sei quem sou. Não sei o caminho a seguir. Tenho um medo diferente a agoirar-me.
Mas tu, tu precisas de dar um sentido a isto. Queres entender tudo, racionalizar aquilo que nem eu entendo; queres esgravatar o fundo pantanoso da minha alma enquanto seguro o microfone e grito coisas sem sentido. Não quero lembrar-te que me ensinaste a viver sem ti, quando me partiste o coração, numa dança lenta e amarga. Não quero magoar-te ainda que me tenhas desiludido. Não sei como te explicar que me encontro agora numa espécie de limbo intermédio, onde tudo me parece confuso e distante, entre caminhos e decisões de uma vida que não entendo: a minha.
É mais do que nós que equaciono, desde que o meu cérebro e o meu corpo colapsaram. É como se a minha vida não fosse minha e eu fosse uma estranha na minha história. Gostava de te explicar isto de uma forma simples mas ainda não assimilei o que está a passar-se. Tenho mais medo do que nunca. Sinto-me paralisada por esta dor interior que me devora. Não consigo sonhar quando, simplesmente existir, me consome a energia que me resta. Os dias são um desafio permanente e tudo, absolutamente tudo na minha vida, está em hibernação. Nós, também.
Fazes do tempo teu aliado, nesta quimera alada que reiteras a meu lado, mas não vês a ironia disso: lutaste tanto por este dia e agora lutas para fugir dele. Quando me expulsaste da tua alma, tudo mudou em nós. Vivemos um tempo de ausências e dor, perdi a minha fé em ti. Um dia, deixei de saber quem eras, o que querias, o que fazias. E cada dia, depois desse, foi cauterizando o nosso passado e, com ele, todos os sonhos do amanhã. O tempo não é nosso aliado, é nosso carrasco. Não somos nada nas suas mãos mas demos-lhe trunfos preciosos.
Devolvo-te o beijo depois da torrada e da conversa que não tivemos. Olho para ti e vejo-me a mim, num passado não muito longínquo. Abraço-te com genuíno amor, conheço a dor que sentes. Fico triste contigo mas já não fico triste sem ti. Não sei se os meus sentimentos por ti se alteraram ou se a minha exaustão já não me permite ver com os olhos da alma – ou sentir, com o coração. Não sei se temos tempo, como dizes, ou se já o gastamos em viagens indescritíveis à Terra do Nunca. Sei apenas que não tenho forças para lutar, contigo ou qualquer outra força do universo.
Não me peças respostas nem me angusties. Do tempo, nada sei. De nós, ainda menos.
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