“Cabelos cor de vento”
No final daquela rua havia uma casa vazia. Uma casa de uma cor qualquer que o tempo se encarregou de apagar. Porventura seria branca ou talvez amarela, mas isso agora pouco interessa, porque não é a cor exterior que torna mais ou menos interessante uma casa, mas sim o que se passa no seu interior: as pessoas, a vida que albergou. É disso que quero hoje falar.
Conta-se que aquela casa, quando ainda tinha cor, era habitada por uma mulher com cabelos cor de vento. Todos a conheciam por aquele nome e era fácil saber porquê: os seus cabelos ondulados, esvoaçavam como papagaios de papel, ao levantar-se a mais pequena brisa, ganhando assim a cor que o vento traz. Saía todos os dias daquela casa, com cor das marés, e ficava a olhar as ondas do mar que, numa luta contínua, golpeavam de forma assertiva as dunas onde se sentava. Imóvel, permanecia em silêncio, ouvindo os murmúrios borbulhantes da espuma das ondas.
Ao longe, ao ver aquele diálogo mudo entre os elementos, aquela figura feminina fazia parte daquele quadro móvel em conjunto com o mar, as dunas e o vento, como se nunca de lá tivesse sequer saído. Mas saía e sabiam-no, porque assim que o horizonte ganhava a cor do sol poente, regressava a casa embalada pela promessa de um novo amanhecer.
Poucos segundos depois de ter entrado, a janela ganhava cor de luz e a casa cor de vida. Uma só janela com luz, nada mais…uma só pessoa. Não demorou a que a casa ganhasse cor de sono onde apenas um candeeiro de rua tentava quebrar a monotonia da cor da noite.
Despertada pela cor da aurora, a mulher regressou ao local de sempre onde os seus cabelos esvoaçantes ganhavam de novo a cor do vento. De mãos juntas parecia suplicar ao mar, que agora beijava os seus pés, na impossibilidade de atender aos seus rogos e súplicas. Uma rajada de vento trouxe consigo a cor do choro e a mulher, envolta pelas lágrimas do mar e pelo choro do vento desapareceu do quadro revolto que a cena se transformara. Na areia, a fotografia de um amor que o mar não devolveu. Estavam juntos agora, mas a casa perdeu para sempre a cor da vida e a janela, aquela única janela que por algumas horas ganhava cor de luz, permaneceu para sempre apagada, pintada com a cor que a noite sempre traz.
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