A mudrugada ainda anda longe do meu quarto mas não consigo dormir.
Não consigo sentir o teu perfume de mulher na minha cama, aroma pacificador e afrodisíaco da minha alma. A minha cama parece imensa, mas a imensidão significa apenas um deserto sem ti. Tento ler para me cair o sono, mas ele não quer vir e as palavras escritas não conseguem fazer esquecer as palavras ditas. Ouço outra vez barulho de saltos no andar de cima a horas estranhas, outro dia sem crianças...Está quente o quarto mas desta vez tenho a ventoinha que comprei na segunda para me arrefecer o corpo. Pena não conseguir fazer o mesmo à alma. Vou à cozinha beber água e nem o frio da garrafa me desperta desta melancolia. A água deve estar igualmente fria mas num corpo vazio é só mais um recipiente para ela. Ouço carros a passar ao pé e quero acreditar que num deles estás tu para vires para aqui. Vou à varanda ver os carros passar e a todos desejo ver apenas o teu. Ouço a porta da entrada do meu prédio a abrir e os passos seguintes de quem vai subir as escadas. Ninguém sobe aquelas escadas, só nós. São as nossas escadas. Dirijo-me para a porta para ta abrir mal toques à porta ou me telefones a pedir. Já sinto o cheiro dela e do verniz que pus recentemente. Tenho o telemóvel na mão mas é a minha mão que treme e não ele. Conto os passos e a pausa entre eles enquanto te imagino a subir as escadas a desfilar em saltos como só tu consegues. E os passos continuam…os passos não deviam continuar, não podem continuar. Mas continuam. Não eras tu. Nunca foste. Apenas mais uma partida da tua ausência na minha solidão. Outro desejo pedido mas não realizado. Já não há barulho de saltos nem barulho de carros, apenas o silêncio da noite. Há quem tenha medo do silêncio da noite, eu tenho medo do teu silêncio. E sinto-me pequeno, e sinto-me sozinho. Porque não eras tu. Nunca foste…
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