Desculpa ter-te deixado sozinho, no escuro. Mas tu sabes que és demasiado comprido para viajar comigo de avião. Desta vez passámos por cima do mar. Tinha mesmo de ser assim.
Mas já tenho saudades tuas e ainda só nos separámos há uns dias. Sinto falta de passar os dedos pelas tuas crinas, fazer e desfazer sucessivamente trancinhas, ver-te sempre sorrir para mim, sem um único queixume.
Para te dizer a verdade, gosto mais das viagens que fazemos juntos, quando me levas a passear aos sítios mais maravilhosos que sou capaz de imaginar. Com os papás, é tudo muito real, não há magia nenhuma.
Detestava aquela rédea que trazias, quando chegaste lá a casa. Não descansei enquanto não ta tirei, sem te magoar. Quando me levas a viajar, não preciso de segurar-me a nada. Basta-me encostar a minha cabeça à tua, o meu cabelo ao teu, e deixar-me levar. Quem te ensinou todos os caminhos por onde me conduzes? Nunca me contaste isso.
Aqui há muitas colinas verdes. Ias gostar de ver. Podíamos voar juntos um dia inteiro e, ainda assim, não avistar nada que nos aborrecesse. Mas o sol do nosso país é mais brilhante e o céu é mais azul. Nada se lhe compara.
Sabes o que me deixa mais triste quando estou longe de ti? Não tenho ninguém para quem ler. Conheci aqui um menino, mais ou menos da minha idade – pelo menos parece – mas não é nada dado às leituras. Troça de mim quando lhe digo que passo a maior parte do meu tempo a ler e a viajar contigo.
-Viajar num cavalo de pau? – ri-se ele – É muito mais fixe andar de bicicleta! Queres vir?
E lá vou eu atrás dele, aos tropeções, mais tempo com os pés no chão do que nos pedais. Que outra coisa poderia fazer?
Sabes, ele até é simpático. Gostava que o conhecesses. Podíamos viajar os três pelo mundo inteiro. Achas que aguentavas?
A mamã e o papá estão contentes. Dizem que ganhei novas cores. Mas não percebo muito bem porquê. Quando olho para o espelho parece-me que tenho só uma cor, e que é sempre a mesma.
Espero abraçar-te de novo brevemente. E espero que a Ana tenha ido acender-te a luz, como lhe pedi, depois de termos saído. Contas-me tudo quando eu chegar. Levo um monte de aventuras na minha cabeça para te contar também, quando regressar. Até breeeeeeeeve!
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