Entro no atrio. Passo apressado, atropelo toda a gente, que não vejo, coração a mil, a saltar-me da boca, um nó cego, grande, enorme, inutil, na garganta. O corredor é longo e apertado, não vislumbro o fim. Paro. “Recompoe-te”. Vejo-me ao espelho. Desta vez, o vestido preto, decote longo a contrastar com a saia pela altura do joelho, de que sempre gostaste, lembraste?, e os sapatos de salto alto nude, demasiados para mim. Sempre nos rimos disso, mas tu achaste-os perfeitos. Que acentuavam a curvatura das minhas costas e alongavam as minhas pernas. Que poderias sonhar acordado comigo neles.
Sento-me no meu lugar, no meu espaço, no meu canto, e decido escrever-te, só para o caso de não cumprires o que nos prometemos. Não vais cumprir, pois não? Resolvo que posso deixar este pedaço de nós aqui mesmo, no lugar que sempre foi teu. Lembro-me de pensarmos que tinhamos alma de artista. Sinto que, um dia, vou encontrar-te assim. No meio das nossas lembranças. Tu irias gostar. Mas não hoje. A musica ja começou, já a oiço, mas tu não estás. Quero que saibas que o soube, soube-o assim que te conheci. Que continuei a amar-te, mesmo quando decidimos que seguirmos outras vidas seria o mais acertado. Quero que saibas que me lembro, que fico em suspenso, que por vezes não respiro. Que preciso saber-te vivo, que te procuro sempre que a minha vida se sobressalta, que murmuro por ti, quando me falta a voz para gritar o teu nome. Quero que saibas que tenho saudades da vida que não tivemos, que continuo a querer morrer depois de ti, para não seres tu quem fica só. Que não te guardo rancor por ainda não estares. Que trouxe os sapatos nude. E que vim. Virei sempre. Sempre, ouviste? Até tu chegares...
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