Quando Alice tinha 10 anos, quase 11, uma mulher, portanto, conforme tantas vezes lhe dissera a mae, a sorrir, Álvaro dos Santos, seu padrasto, deixou a casa para onde se haviam mudado fazia já algum tempo. Ouvira-o, como de tantas outras vezes e após alguns excessos que tão bem lhe conhecia, amaldiçoar a vida, e nem mesmo enterrando a cabeça na almofada, com toda a força que tinha, lhe foi o bastante para não ouvir a porta dos fundos bater violentamente. Apos alguns instantes, decidiu que teria de descer, provavelmente para encontrar a mae com um olhar confuso e triste, não tanto pela ausencia do marido, que já não amava, mas pela incerteza do seu regresso, que não desejava. Ademais, era dia de escola.
Apanhou, como de costume, o 74, almoçou na escola o farnel que levou de casa, marcou presença nas aulas e regressou ja à tardinha. “Alice, lembra a tua mãe das azevias para o fim de semana, que vão lá os gaiatos”, gritou a ti Ana mais de entusiasmo e excitação, uma vez que estava mesmo do outro lado da rua. Alice balançou a cabeça. A mae já lhe dissera que iria precisar da sua ajuda, tarefa pela qual sempre ansiava, já que eram raras as ocasioes que conseguiam estar sós.
No dia seguinte cumpriu a rotina do costume e, quando chegou a casa, pareceu-lhe ouvir a mae chamar. A ela calhou-lhe partir os ovos e, naquele dia tambem, esmigalhar o grao e fritar a massa e à hora que a ti Ana bateu à porta dos fundos, fê-la entrar, acenando-lhe da cozinha.
No chão, junto ao balcao, estava Maria dos Santos, há ja alguns dias, coberta de sangue, olhos cerrados e corpo moldado, para acolher alguém. Alice aninhou-se e finalmente chorou. E nunca mais se ouviu.
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