Era natal , o frio gelava – me a ponta dos dedos , o inverno rigoroso que este ano se fez sentir deixa – me as mãos a latejar de dor , martirizam –me as frieiras nos dedos.
Dirijo – me ao IPO . Vim só a casa tomar um duche e vou para o pé do Francisco, que dor ! A quimioterapia está a matá –lo , o meu pobre bebe !
Chegado ao hospital , que contrariamente á monotonia das paredes neutras do dia- a – dia , hoje encontrava – se todo ele cheio de vida , numa explosão flamejante de cores , balões , palhaços , brincadeiras e jogos , o ambiente era pintado de alegria , as caras de sofrimento dos doentes cancerígenas era trocada por um sorriso repleto de esperança…pela gargalhada de uma criança nem parecia um hospital.
Na conclusão das festividades viria um escritor infantil , António Mota de seu nome , escreveu o livro “Sonhos de natal “ e como um grito de luta …de apelo … de clemência … iria pedir a estas crianças que continuassem a lutar por um sonho…. Por uma vida….por uma existência que tinham direito e que em jeito caprichoso o destino colocara um grande obstáculo.
Avanço os corredores coloridos ,digo olá ás enfermeiras e avisto o Francisco , numa mesa compunha um puzzle com outras nove crianças , as suas mãos pequeninas e suaves que pouco maiores eram do que as próprias peças do puzzle , a sua cabecinha rapada por onde um dia encontrei cabelo , hoje está despida como árvores no outono…árvores no outono…não quero nunca que chegue o inverno! Mas ali estava o meu pequeno que esboçava um sorriso mais belo do que o mundo ! Tão belo , tão intenso ..tão … perfeito .
O dia decorreu com grande animação e o meu Francisco apesar dos seus cinco anos , queria brincar e estar com os “meninos grandes” . A Ana minha esposa achava tanta piada .. e eu ficava orgulhoso de ele ser assim , temerário , aventureiro …tal e qual como o pai !
Foi chegada a hora de António Mota falar , apresentar os sonhos de natal a quem a única solução era sonhar…com dias melhores …dias onde o sol brilhasse.
Entre brincadeiras e risadas no final o autor ofereceu ás crianças ali presentes uma cópia autografada do livro. Agarrei o Francisco pela mão ( e como adorava faze-lo ) , levei – o até António que escreveu na contra capa “ Para o meu amigo Francisco espero ver – te daqui a dez anos “ , sorriu fez uma caricia suave na cabecinha do Francisco que se amarrou á minha perna tentando esconder – se com vergonha , na altura achei piada e sorri, António retribuiu e parti com o meu Francisco pelo hospital colorido.
Lembro – me desse dia como se fosse hoje , aquele dia está cravado a ferro e fogo nas profundezas do meu ser ! Talvez porque tenha visto o Francisco verdadeiramente feliz !
Mal sabia eu a Ana e o meu pequeno que seria mais uma partida sádica do destino, volta inesperada nauseabunda deste repugnante ser !
O cancro pulmonar mostrava sinais de se querer dar por vencido , o meu menino demonstrava coragem e vontade , lutava tão inocente …tão desconhecido da vida e porem batalhava como um leão por entre esta selva e dominava a sua presa .
Tudo corria bem e um ano depois tudo estava pronto para receber o meu rapazão em casa. Dormia descansado e feliz ao saber que em breve o poderia levar a jogar á bola , andar de baloiço , ensiná – lo a pescar , poder fazer tudo aquilo que pais e filhos fazem . Estava na garagem a construir um cavalinho de madeira para o Francisco …foi então que o telefone tocou …amaldiçoado som , mais temível que o canto de uma sereia … ainda hoje esse som me fere os ouvidos , Ana atende , oiço um choro descontrolado , ela segura – se nos meus braços e soluçando diz :
- O Francisco …o nosso Chiquinho morreu !
Apertei – a com força junto a mim abracei – a como nunca , compartilhei o seu choro e senti a minha alma a despedaçar – se em mil bocados …parecia tão feliz o meu anjo !
Foi quatro anos mais tarde enquanto arrumava o sótão que um livro me saltou á vista “ O sonhos de natal “ de António Mota …jorrei lágrimas que caiam desgovernadas pela minha face. Por coincidência uns dias mais tarde soube que o escritor iria dar uma palestra aqui na cidade , decidi ir vê-lo mas porquê ? Porque de mim apenas restavam as ruinas , era um farrapo de homem , a minha alma retalhada em pedaços fazia pouco jus á grandeza de outrora…visitei – o na esperança de uma palavra de apreço , o catalisador que me acalmasse a dor sentida no coração.
Ao vê –lo perguntou – me que era , expliquei toda a situação…agradeci-lhe por tudo e parti .
Não tornou a ver o Chiquinho passados dez anos , mas graças aos “Sonhos de natal” deu –lhe o melhor ano da sua tenra vida !
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