O Último

 

O Último

Portuguese

Lentamente abri um pouco os olhos, eram três e meia da tarde, a luz dos raios de sol entrava pelos buracos das persianas do meu quarto sentia-me desorientado, cansado, sem rumo e desmotivado. Remexi-me vezes e vezes sem conta na cama, tentando adormecer e escapar a este pesadelo, mas sem qualquer tipo de sucesso. Deitei-me de barriga para cima de maneira a tentar encontrar algum conforto mas nem isso consegui, uma dor agonizante alojava-se no fundo das minhas costas, impedindo-me de alcançar um minino de bem-estar comigo próprio. Ainda com os olhos praticamente cerrados comecei a olhar em torno do meu quarto, os feixes de luz iluminavam a minha secretaria tal como o meu computador, no entanto o resto da divisão encontrava-se envolta num manto de escuridão conseguindo apenas observar uns montes de roupa espalhada pelo chão e uns caixotes empilhados num canto.

Levantei-me, um pouco zonzo sem qualquer lembrança da noite anterior, passei as mãos na origem da minha dor nas costas, na esperança ingénua de tentar aliviar um pouco aquela sensação intensamente dolorosa, que naquele momento já percorria uma boa parte destas. Tal ingenuidade desvaneceu-se rapidamente, na ânsia de preencher um vazio deixado pelo vício da nicotina, dirigi-me em passos lentos até a minha secretária, desviando-me dos montes de roupa espalhados pelo chão, para evitar outra anexação á dor que já tinha e comecei a procurar o meu maço. A secretária espelhava perfeitamente o reflexo do meu quarto naquele momento, encostado à borda esquerda, o computador baloiçava à medida que remexia em todos os papéis, canetas, garrafas e embalagens amachucadas ao longo desta, que perfaziam o cenário, quase nojento, em que o meu maço de tabaco se encontrava. Minutos depois, consegui finalmente encontrar o pretendido, abri-o e deparei-me com a presença singular de um único cigarro, que gerou em mim raiva, desespero, falta de esperança e um súbito, mas enorme, transtorno emocional.

Não queria acreditar, não poderia ter acontecido outra vez, procurei rapidamente a minha carteira no meio de toda a confusão que preenchia a mesa até que, quase como por magia, esta saltou do meio dos papéis e folhas acabando por cair no monte de roupa mais perto da secretaria. Abri-a, revistei, procurei em todos os espaços e divisões mas infelizmente nada, nenhum sinal de uma nota ou moeda, mas por outro lado junto ao meu cartão multibanco encontrei um recibo. Não tenho qualquer recordação da noite passada porém, o recibo de oitenta euros, que encontrei tal como o único cigarro, não deixam grande réstia para dúvida, mais um erro que cometi, mais uma desilusão interior, uma angústia que se alimenta do meu ser, uma depressão que nem eu próprio consigo exteriorizar.

Naquele pequeno instante, naquela fração de segundos os meus pensamentos dispararam, o fluxo neuronal de informação do meu cérebro era tão grande e intenso, que foi-me impossível captar qualquer ideia ou pensamento produzido naquele momento. Sentia-me mais desorientado e sem rumo de que quando acordei, não conseguia estabelecer ou expressar qualquer tipo de reação, emoção ou sentimento, estava apático, completamente vazio.

- Falhei, falhei, falhei… - disse num tom de desespero, para mim próprio, olhei em redor do meu quarto e senti o manto de escuridão cada vez maior, rodeando-me cada vez mais. Naquele momento, apenas três ou quatro raios de sol entravam pelas brechas da janela, iluminando o maço de tabaco caído por cima de todo o lixo acumulado na secretaria.

Suspirei, peguei numas calças que estavam no monte mais próximo e tirei um isqueiro, do bolso esquerdo, com calma aproximei-me do maço, retirei o meu último cigarro e acendi-o.

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