Tinha sido uma rapariga bonita. Muito bonita mesmo. Gostava de rir e de se ir assomar aos bailes, ver nos pares enlaçados o prenúncio de um casamento que nunca aconteceu. Gostava do cheiro do pão. Gostava da côdea e da maneira como a mãe pegava na faca e barrava as fatias com manteiga corada. As irmãs vinham sempre a correr, com a pressa que dá a gulodice. Nesse tempo, a casa estava cheia e havia sempre vozes e alguém a espreitar ao postigo.
O tempo foi levando as vozes e a gaveta dos talheres deixou de se abrir. Já não havia nódoas na toalha nem camas por fazer. Mas todos os dias ela punha o talego do pão à porta e todos os dias, todos os dias sem exceção, a padeira lhe deixava um, acabado de cozer. Talvez a solidão lhe abrisse o apetite ou revelasse a loucura…
Quando morreu e foram fechar a casa, pôr as coisas em caixas e puxar todas as cortinas, havia pães por todo o lado, intactos, roídos, bolorentos, mirrados, nas cadeiras, em cima das almofadas, na mesa da sala e espalhados pelos corredores. A cozinha era um cemitério de pães.
Afinal era verdade, tinha enlouquecido. De fome.
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