texto 1 - carta a minha filha
Nada me custará mais do que vê-la entrar naquela velha igreja onde já antes tinha chorado meu pai pela última vez, por minhas próprias mãos entreguei-a vestida de branco pérola, deixará de ser minha naquele instante, a partir dali iria amar e ter ciúmes ser mãe dos seus próprios costumes, ser mulher como as outras que desejei…pedi-lhe para que amasse sem a fúria dos relógios, que vivesse sem o medo do tempo, e que a felicidade…bom a felicidade logo a descobria por si mesma.
Viu-o ao fundo da nave principal, um vulto trémulo, tão grande quanto ansioso, magro vestia-se de preto luto, já não se casa de preto luto …ouvem-se saltos de mulheres, ajustar de gravatas, a inquietação das crianças, o barulho das lágrimas, as ultimas mentiras sobre o casamento, aperta-me a mão seguro-a com delicadeza, revejo tudo o que passamos deste o primeiro dia.volta a ser frágil, volta a ser menina e a precisar de mim…viajo para bem longe e já só consigo sentir o cheiro da sala de parto, a aflição de te ver chegar confunde-se com a de te ver partir, eu sou teu pai vi-te nascer, vi-te chorar vi-te crescer como crescem as árvores, choramos juntos cada arranhão e desventura, lutei para que te fizesses mulher, mulher que hoje és por ti não por mérito meu ou de outrem e é neste estado que te entrego ao destino, lembra-te de ser feliz pelo menos uma vez por dia, vai visitar a tua avó uma vez por mês, e liga-me sempre que poderes, não deixes que falem alto contigo, nem confies demasiado no amor, certifica que a tua volta só sobrarão aqueles que te amem tanto ou mais que nós…
texto 2 - cronicas da vida
Cheira-me a seda barata
E a mulheres de saltos altos
Com as unhas afogadas em verniz dos chineses (vermelho escândalo para que se saiba)
Promiscuidade, sexo agudo nos corredores da vida
VIDA! Dádiva ou divida divina?
Dúvida prepara-me a cama de casal que hoje vou sonhar com omeu amor
10 Minutos para 24h
Bebo o meu café aguado em chávena de porcelana antiga
E lembro-me de ti...a saudade lembra-se de ti...
A humidade da casa de banho dá-me tesão ainda se sentem os gemidos entranhados
Nas paredes rosa virgem encomendada
Quando foi a ultima vez que te vi?
Tentei esquecer-te mas a obsessão pelo impossível
Deixa-me dependente deste nervoso miudinho
Já não sei viver sem a nossa infelicidade
Já não sei viver sem nós
O cheiro do medo é insuportável
A casa tresanda a medo
Tudo é bem mais duro sem a nossa teimosia
Pede-me desculpa que eu peço-te em casamento.
texto 3 - burguesinhas do chiado
Lisboa sol raia apaixonado no meio das burguesinhas do chiado
Cinturinhas vincadas passo apressado salto alto desalinhado
Cruzam o bairro alto, sexapeal consumista cheiro a pecado
Deixam saudade no perfume e antes que eu me acustume
Largam-me vagabundo e sem rumo
Elas desfilam com a lasciva que incendeia as almas
Chiuuu! Silencio Lisboa que se vai bater palmas
A cidade pára só para as ver passar
Tentação citadina que me fascina ao imaginar
Paixonetas de metro sinto tejo bem perto
Meu coração a ceu aberto meu louco contemplar
desejo absuluto prazer em estado bruto
Perdição do meu olhar
Quem me dera parar o tempo e oferecer-lhes a primavera
corrupio viciante adrenalina cativante
Lisboa menina e moça minha amante...
texto 4 - fase delirante
Lá estava ela chupando o seu triste cigarro de mentol a espera que o amanhã chegasse como uma corrente de ar.
Via-a sentada nas velhas cadeiras do café de esquina que ambos frequentávamos sem que antes nossos olhares se tivessem tocado, trazia uma camisola grossa e as bochechas coradas, ao colo trazia um par de livros antigos herdados da biblioteca de seu falecido avô, falamos sobre sonhos e expectativas, contamos as mentiras que sempre se contam nos primeiros encontros a seu aguado café esfriava, fingimos sorrisos e desinteresses enquanto as nossas inquietações dançavam o seu primeiro tango
texto 5 - bom natal
Porque os filhos não deviam enterrar os país no dia de natal.
dia 22 de Dezembro de 1991, dia em que o nosso Dezembro mudou para sempre, enquanto a maioria dos miúdos sonhava com os brinquedos, lá em casa nós só desejamos que ele homem de voz grossa mas meiga nunca nos tivesse batido a porta.
Já perdi a conta das vezes que chorei em silencio sobre opapel de embrulho das prendas que nunca quis abrir sem ti perto de nós.
Um brinde aos que partiram é assim termina a noite de consoada para estes lados, um nó na garganta dos que bebem, a esperança inabalável no olhar da mulher que nunca te deixou de amar, ela acredita que se voltaram a encontrar um dia, seja no céu, no paraíso ou apenas nos seus sonhos.
Todos os anos assim que o relógios se acertam as 18:00h, nós voltamos a acreditar que o senhor de voz grossa voltará e nos dirá que é mentira que se enganou na porta, não é saudade o que sinto é um vazio, o vazio das coisas que nunca te disse, de não poder ter dito adeus, nunca poder ter festejado contigo cada vitória, chorado cada derrota, se os mortos poderem fazer promessas promete que não nos esqueces,e que num natal qualquer voltas para casa, nós continuamos a viver no mesmo sitio no mesmo segundo andar de onde partiste naquele dia 22 de Dezembro.
texto 6 - no teu toque
não voltarei a ser mais que um espectador da tua felicidade,
os teus sorrisos agora pertencem ao mundo
a febre de estarmos vivos matou-nos a esperança
somos como doentes terminais num corpo de criança
eu amei-te com toda a força que tinha, mas agora celebro a tua ausência
porque já não nos maltratamos mais...
entre tanto ainda choro a tua falta minto-me minto-te imito-te e omito-me
sei viver sem nós sem os nossos medos e sem os nossos ódios
o que custa mais é viver sem o nosso carinho
habituei-me rápido a ausência do teu corpo
mas não me habituei a falta da tua atenção...
eu nunca te faria feliz nem tu a mim seria-mos sempre mais ou menos felizes
mais ou menos estáveis mais ou menos pais mais ou menos namorados
não te perdi devolvi-te ao mundo com corpo de mulher feita
as lágrimas que choramos na nossa despedida são agora um compromisso de independência
fizemos os nossos votos finais...
escrevemos com um abraço o destino
mas os ecos da dor propagam-se no tempo no ar que respiro
escrevo porque assim me alivia a alma assim imortalizo o cheiro do teu cabelo
a textura dos teus gemidos e do teu toque....
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