Sinto os pés frios. Tento move-los como se de pressa sofresse, mas eles teimam em não aquecer. Sinto-os como se de um cubo de gelo se tratasse e nisto penso na necessidade de um copo de água. Talvez esteja desidratado. Sim, o meu ser sente sede de água seja esta líquida ou sólida, gelada ou em vapor.
Na tentativa falhada de quebrar o gelo que prende os movimentos de meus pés e na eminência de um choque na espinha tal o enregelo, peço a Deus que me ajude. Paro e encosto-me à parede do horizonte. Talvez não seja só uma simples sede, mas uma sede de Deus, afinal antes deste se manifestar tudo era solidão, trevas e caos em que as águas cobriam o abismo. Mas Deus, o Todo-Poderoso, o Omnipotente, organizou o caos, separando as águas de cima das de baixo e matou a sede de seus filhos, “Quem tem sede, venha! Quem desejar, receba gratuitamente da água da vida!” (Ap 22, 17)
Cansaço… O corpo chama-me e numa nova tentativa volto a mexer de forma quase mecânica e fria os meus minúsculos e fracos pés. Chego finalmente e estico o corpo para chegar à água para saciar esta minha bruta e estúpida sede. Bebo da tigela e nada da sede terminar. Farto deste golpe de sede, perco-me na loucura do horizonte, e mergulho nesse mar como uma fénix que morre todos os dias no horizonte para renascer no dia seguinte. E naquele ininterrupto e nauseado movimento das águas, dependente do inexorável fluir do tempo, assalta-me uma convulsão de sentimentos e paixões que se debatem. E eis que naufrago no meu fácil e ardiloso coração humano.
Adormeço num sonho em que sou indivíduo, carne, partícula e pó… Mais um homem apodrecido sentado na sua cabana de pedra escura e com cheiro a carvalho e sabor a inhame requentado. Vejo um velho alto, de pele cansada, mãos gretadas e com um corpo musculado pelo peso do trabalho. Despreocupado do tempo, não tem vizinhos e não espera visitas, pois vive junto à perigosa ponte velha da ribeira, uma ligação gasta pelos que outrora partilharam consigo a casa cheia – Ai saudades do cheiro a pão quente e café… Mas tudo parecia há dezenas, centenas, milhares de anos da sua cabana de calhau. À beira do homem está deitado um cão grande e velho e ambos parecem à espera do que nunca chega. Aguarda o tudo. A quimera. O desejo de não ser esquecido. A embriaguez da imortalidade simbólica. Distraído num sonho desacreditado espera apenas o escorrer do tempo e de ser engolido pela erra da cova.
É noite! Cansado o homem apaga a vela e adormece com a firme certeza que amanhã…
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