Ela deita-se e o colchão cede debaixo do seu peso cansado. Enrosca-se um cão num tapete, deitado algures no escuro. Há um silêncio gritante na casa. O silêncio de quem dorme e divaga sozinho. "Quando é que eu fiquei tão velha?" pergunta-se ela, assustada perante o eco da sua cabeça. Seria possível a vida ter tido pressa e ter desistido antes que a pudesse viver? Levanta-se e olha-se no espelho. Não se reconhece naquela pele e naquele corpo de formas que não gosta, que não aceita! Algures pelo caminho terá caído, da sua bagagem emocional, a auto-estima, tombando numa estrada de pó cansado e repisado. E hoje apenas vê o reflexo da rejeição de si própria. As mãos agora manchadas pela idade estão também manchadas pela vergonha de não terem sabido lutar e esgravatar pelos seus sonhos. Os cabelos têm fios brancos, brancos de se preocuparem com as dores alheias; perderam a cor de tanto esperar a chegada do dia em que semearia a sua própria terra. Olha-se nos olhos cansados, sem risos, baços. Vê passar por eles noites sem sono e dias sem vida, animados apenas por gestos programados, onde faltou a doçura que faz a vida ter, por vezes, momentos de algodão doce. Onde faltou o passo em frente. E para quê? Para quê tantos pequenos passos que levaram a caminho nenhum, que lhe invadiram e mutilaram a pele? Agora estava sozinha com o seu passado e sem forças para correr atrás do futuro. Volta para a cama, consciente de que, nesta vida, aprendera a sobreviver mas não soubera viver. Promete então a si própria que, amanhã quando acordar, terá a sede de quem se quer abandonar sem rede nos braços do seu destino mas, ao mesmo tempo, terá a fome de quem o quer conquistar.
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