Pai, faz hoje quatro anos. Custou-me tanto... dilacerou-me por dentro! Foi sem dúvida a minha viagem mais difícil (e talvez a sua também). Custou-me não ter chegado a tempo de nos abraçar, de dizermos tudo o que não dissemos, de chorar até esvaziar o coração. De nos despedir.
E custou-me mais ainda não saber aquilo que você queria tanto me dizer.
Pai, há pessoas que ao longo da vida deixam acumuladas muitas obras mas só depois que se vão deixam o seu feito mais importante: o ensinamento.
Pai, você é para mim uma dessas pessoas. Talvez tenha calhado a mim o quinhão mais valioso, aquele que não me podem tirar.
Pai, obrigada! Só agora eu compreendo que não facilitar-me a vida era a sua forma de me amar. Fez-me forte.
Pai, perdão! Os anos e as mazelas lhe tornaram um homem mais sereno e mais resignado - tristemente resignado - e eu achava que aquele olhar vago e distante era só a ausência de motivos. Mas não era. Eu devia ter me importado! Devia ter lhe convencido a sentir mais vezes o ar fresco do campo e o cheiro das nossas lembranças. Se pelo menos tivéssemos tido mais uma derradeira vez!
Pai, estou sempre a me perguntar o que você levou em troca da vida. Espero que tenha levado os momentos em que fomos felizes: os nossos fins de semana na fazenda; as nossas fogueiras de São João; as festas do Dia dos Reis; os sábados de feira livre; as horas que passamos a ler os manuais dos carros; os almoços que a mãe preparava ao seu gosto; os doces sem açúcar por causa do diabetes; as nossas conversas sobre a vida; o cheiro de minha primeira filha, a que você conheceu sem ver; o meu amor.
Pai, eu estava a caminho... precisava que você soubesse que eu estava a caminho. O caminho era longo, pai, mas não nos afastou. Todas as vezes que nos despedíamos era como se fosse a última vez. Era doloroso e talvez tenha sido melhor assim: sem mais uma última vez.
Pai, um dia, quando as minhas filhas forem mais crescidas, eu lhes contarei mais das histórias do avô e lhes ensinarei tudo o que aprendi com você.
Pai, eu acho que já sei o que você queria me dizer. Descansa, pai, eu entendo.
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Somos eternos nas nossas
Somos eternos nas nossas memórias...