portas do céu
De volta à esquadra, o Pina encosta os ossos à cadeira, cansado de uma vida inteira no meio de corpos esquartejados. Leva a mão pintalgada de anos de sofrimento à gaveta da sua secretária e saca de lá a garrafa de whisky - bem novo! tão novo quanto o dia que mal começara a clarear -, abre-a atirando a tampa para qualquer lado e o gargalo aos lábios roxos do frio do Inverno que ainda nem sequer se decidira a chegar.
Chovia lá fora, exactamente como chovia há 3 dias - sem parar e fastidiosamente! Nada como esses seus últimos 3 dias. Nada que tivesse apagado as provas do último homicídio que iria fazer parte do currículo do gajo.
Tu imagina o cenário! Com a garrafa na mão esquerda, pernas esticadas em cima da mesa, folheava com a direita a papelada reunida que mantinha no colo enquanto baloiçava desastradamente o encosto da cadeira.
“Já sei!” gritou. Ao mesmo tempo que se desembaraçava dos papéis e das pernas na mesa e do baloiço da cadeira numa confusão instalada! Qual desenho animado, estampa-se de costas no chão, bate com o pé na quina metálica do velho caixote, partindo a garrafa praticamente cheia de whisky, ali mesmo, entre a cana do nariz e o olho esquerdo.
Ora, imagina a gargalhada! Colegas de lenço na mão que lhes secam as lágrimas, os mais velhos correm no encontro da casa-de-banho e até a grávida rabugenta, nariz afunilado que nem empinado precisa colocar, tez carrancuda, já estava de óculos na mão, sentada no chão, agarrada à barriga em risada aguda e estridente e, sem se aguentar, virou o penico no chão.
Nesta cena hamlética entra o chefe, homem deliciosamente alto, corpo escultural, rosto esotérico, de cabelo já todo branco, natural que, sem esboçar qualquer expressão, física ou gutural, se dirige ao Pina e o levanta do chão. Alguns dos colegas que voltavam da sentina vinham munidos dos 1ºs socorros e era o Pina o centro das atenções. À coitada da bandarra ainda sentada na poça, ninguém dava cuidados!
Percebendo que o múmia do Pina acabava de fazer as contas e alcançado quem era a autora daquele irreal, dantesco mesmo! crime de há uns 20 anos, meus saudosos tempos de puta, em que matei a filha da mãe, aproveito o alvoroço, saco da arma, é nele e em mim!
E foi assim! Então? Posso entrar S. Pedro?
Nome Autor: Yana Shiva
Recent comments